A polarização nossa de cada dia

Om memes do "Dia da Mentira" de Jair Bolsonaro e Lula nas redes sociais | Lu Lacerda | iG
Fonte: LuLacerda

Então você tem um grupo de coroas no WhatsApp. Amigos da sua faixa etária, já com menos vida pela frente do que pra trás. O objetivo do grupo seria recordar o passado, lembrar de coisas que já fizeram e que cada vez menos fazem, ou já não fazem. Em resumo: falar de mulheres, contemplar imagens de belas mulheres, admirar a estética feminina sob todos os ângulos possíveis.

Esse grupo é formado por homens héteros das mais variadas etnias. Aliás, falarmos em etnia com relação a esse grupo é dispensável. Somos todos mestiços. E quanto a sermos héteros, não se trata de preconceito. Simplesmente todos assim se declaram, o que não impede que alguém mude de ideia, a qualquer momento.

Mas… entre uma perereca e outra, eis que aparece um molusco. E aí outro compartilha o meme de um capitão de rocambole. E o pau quebra! As ideologias afloram:

– O meu político de estimação é melhor do que o teu!

– Negativo! O meu não rouba!

– Ah, não? E as joias da coroa?

– Aquilo foi presente pessoal. Pior foi o teu, que levou um caminhão do acervo palaciano.

– O teu gosta de rachadinha!

Ôps! Aí era pra acabar a briga, porque nesse item somos unanimes. Mas não:

– A rachadinha do meu é mais nova do que a do teu.

– A do meu tem mais conteúdo.

E assim, vez ou outra, alguém sai do grupo, se sentindo ofendido porque ofenderam ao seu ídolo. Tem um que chama todo mundo que não gosta de fruto do mar de vagabundo. Aí outro diz que vagabundo é a mãe! Mãe de quem? Mãe da PQP! – Ei, pera aí: a minha avó já morreu faz tempo!

Enquanto isso, os ditos políticos de estimação continuam obrando suas excrescências. Um, na solenidade de comemoração do bicentenário da independência, perante o coração do libertador e primeiro imperador, que atravessou o Atlântico, resumiu o seu discurso em coro com a multidão: – Imbrochável! – conquanto o senho fechado da primeira-dama, flagrada saindo do carro presidencial, não revelasse bem isso.

O outro já declarou que a independência não se deu no 7 de setembro de 1822, mas em julho de 1823 na Bahia, o que abre caminho para uma nova solenidade de comemoração. Mas há ainda mais uma possibilidade de comemorarmos o bicentenário da independência. No Pará o dia 16 de agosto é feriado estadual, pois nesse dia, em 1823, a então província foi a última que consignou o juramento de adesão à independência do Brasil.

E assim vamos vivendo essa disputa de mediocridades entre dois políticos/grupos que são farinha do mesmo saco.

Somos bolhas de água fervendo

José Eugênio Soares – Jô Soares (1939-2022).

Jô Soares se foi. Chico Anysio se foi. Maria Dahl, James Caan, Ilka Soares, Dalmo Dallari, Lygia, Jabor, Olavo de Carvalho – esta lista é exemplificativa. Todos fizeram as nossas vidas mais cultas, suaves, com suas artes, suas interpretações, seus textos. Mesmo o polêmico Olavo, com quem tinha divergências, mas não o endemoniava. Todos personagens que fizeram, fazem e farão parte das nossas vidas – pelo menos da minha geração. Sim, essas pessoas que conhecíamos à distância, na verdade eram personagens. Algumas protagonistas de si mesmas, outras, personagens que incorporavam personagens. Afinal, a vida é um grande palco e somos todos atores que interpretamos a nós mesmos, em nossas várias facetas. Somos todos insubstituíveis! Rápida e facilmente esquecidos.

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A GUERRA DOS GAMBITOS

ANTIGA MÁQUINA DE ESCREVER OLIVETTI LINEA 98 - No estad

O repórter sentou-se à mesa. Apoiou a cabeça com a mão direita, expressando perfil de lamento. Olhou para a olivetti à sua frente. A velha companheira de trabalho nunca lhe parecera tão distante, tão ensimesmada. Tantas vezes suas teclas ditaram-lhe a pauta do dia, boa parte merecendo chamada de primeira página. Mas hoje…

Olhou para o maço de papel jornal ao lado da máquina. As folhas estavam em branco. Acabaram-se as laudas pautadas. Contraditoriamente, foi um alívio, pois agora tinha alguma coisa para teclar. Colocou a folha no rolo da máquina, ajustou o papel e bateu nove pontos, teclando 1 no décimo toque, e assim sucessivamente: 2 no vigésimo, e 3 no trigésimo. Ali estavam definidos os trinta toques da linha, e observou que o espaçamento entre as linhas já estava no número 2. Isto era importante, depois que se tornou free lancer: um dólar por lauda de 30 linhas, pagos tão logo o editor-chefe aprovasse o texto.

Mas o quê escrever hoje? Perdera o melhor amigo, há uma semana. E hoje, justamente hoje, a mulher daquele melhor amigo também morrera. Ela, a quem admirava em secreto, com aquele corpão de dar água na boca. Enquanto rezava para que se recuperasse, às vezes aquele diabinho lhe soprava no ouvido: “Agora é a tua vez! Quem sabe…?” – mas logo espantava o tal diabinho com o anjinho que dizia: “Não deveis cobiçar a mulher do próximo!” E então resolvia o conflito não dando ouvidos ao demônio, nem ao anjo. Só à sua consciência: “Eu vou dar tempo ao tempo. O futuro dirá!”

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A Verdade

Ainda mesmo
quando as palavras
de conforto
se formarem em nossos lábios,
ou os hinos de esperança
cortarem os ares
invocando o nome do Senhor,

Meu coração,
na magnitude da noite
dos vermes terrestres,
permanecerá inquieto

Minha mente,
esse verdadeiro Eu de
insaciável apetite
já não se contenta
com os fenômenos
trazidos pelas lideranças,
pelas doutrinas magníficas
que falam de Deus.

Tampouco suporta
as imposições irracionais
dos dogmas místicos
de palavras doces
que alimentam o paladar,
mas não nutrem o Ser,
essa amplo complexo
que mesmo eu não o entendo em mim.

E se não entendo a mim,
como, então,
entender o Criador?
Sim, pois é este a quem eu busco:
essa inteligência suprema,
causa primária de todas as coisas,
que repousa no vento,
que sopra as palhas do buritizeiro
sobre os verdes campos
do serrado na chuva.

Essa energia que gerou
os corpos harmônicos
na individualidade da massa,
pela mutabilidade das partículas
que levam à evolução do cosmo,
através dos movimentos
da força concentrada
que impulsiona as novas formas
pelas novas necessidades.

Assim,
como peregrino solitário,
penetro nos princípios fundamentais
da Lei maior
que rege as energias cósmicas,
cuja iniciação
oculta-se no momento
da criação.

Para chegar ao Criador
necessário é entender
a própria gênese.

Jair Messias Bolsonaro: a insanidade personalizada

O texto que reproduzo ao final é da autoria do nosso convidado de hoje, o Doutor (com doutorado mesmo!) em robótica Flávio José Soares Aguiar, o qual já nos brindou anteriormente com um texto sobre Nicolau Maquiavel. A crônica foi escrita no intervalo entre a divulgação oficial da eleição de Jair Messias Bolsonaro e a sua posse na Presidência.

A existência deste escrito nos foi revelada numa conversa do grupo de WhatsApp que formamos entre amigos de infância/adolescência: Turma 63/65, pois todos os membros nasceram em 1963 e 1965. Somos, portanto, todos cinquentões. Bem, o Flávio compartilhou o texto no grupo quando eu reclamei que as atitudes do Presidente, sobretudo em relação à pandemia do Corona vírus, associadas à anulação dos processos do ex-presidente Lula – que, ao menos por enquanto, torna-se elegível -, estão viabilizando a volta da esquerda. Eu revelava a minha preocupação com isso, conforme a transcrição de alguns trechos das minhas exposições na conversa, a seguir:

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No fim somos meros mortais

E no final somos simples mortais, como todos os seres viventes. Desde o começo determinei-me a ser alguém vitorioso. Mas em certo momento resolvi ser mendigo e pedir esmolas, como caminho para atingir a iluminação, sob a árvore da sabedoria. Depois, uma pessoa alegre. Aí um intelectual reservado e tímido, cuja obra ficasse para a posteridade, talvez fosse mais adequado. Mas agora decidi ser rico, famoso e bonito! Afinal, sou imortal. Who whants to live for ever?

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Um adeus…

 

 

 

 

 

Que seja breve esse adeus,
quando choraremos todas as lágrimas
e derramaremos todos os prantos

Que seja breve esse adeus,
pois a vida se nos mostra à frente,
seja na matéria, seja no espírito

Que seja breve esse adeus,
brando e pacífico, onde já não mais arde
o fogo intenso da paixão

Um adeus é sempre e tão somente adeus:
fecha a porta do passado
e abre a porta do futuro entregue a Deus…

Porta dos Fundos, Jesus Gay e a mediocridade contemporânea

Recentemente reli O Anticristo, de Nietzsche[1]. Devo ler uma terceira vez. Trata-se de uma contundente crítica ao cristianismo, mal interpretada por muita gente. É um livro curtinho, não mais de 70 páginas, ao todo. Mas o seu conteúdo é forte e envolvente, devendo ser lido com muita atenção. Foge aos tabus da crença e religião, vai direto à análise do pensamento ocidental que se moldou a partir da adoção do cristianismo como religião oficial do Estado romano. Peço desculpas ao leitor para transcrever a tradução do prefácio da obra:

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Inflexão da Vida

A vida pode ser um portal pra liberdade
Ou uma jaula onde se reclui a alma
Num corpo horrendo, pesado, moldado
Pelos medos do inconsciente

O espírito, que era livre e independente,
Com o tempo torna ser acomodado
Nas convenções da velhice que acalma
Os desejos e anseios da tenra idade

Mas ainda, sob os elos da corrente
Que faz mórbida a mocidade,
Há a centelha do desbravador ousado

Aspirando voar sobre a cidade,
Sobre os campos e florestas, contente,
Sem medos, num unicórnio alado

Anaïs Nin

Tomei conhecimento da existência de Anaïs Nin (1903-1977) há muitos anos atrás, na década de 1990, quando, num dia qualquer, aluguei um filme cujo título era Henry e June. Gosto disso: ao acaso, encontrar filmes maduros que retratam a natureza humana. Filmes que me marcam pelo resto da vida – da vida consciente, ao menos. Invariavelmente são películas derivadas da literatura. Gostei tanto do filme que resolvi ler o livro.

Henry e June é a versão cinematográfica de um período (1931-1932) do diário pessoal de Anaïs, quando conheceu e começou seu relacionamento extra-conjugal com o também escritor Henry Miller. June era a esposa dele na época, quando viveram um triângulo (ou quadrado) amoroso.

Além de Henry e June, li outros livros de Anaïs e, por causa dela, cheguei a Henry Miller (1891-1980). Os dois têm estilos semelhantes, cujas obras são autobiográficas. Sem dúvida formaram um casal. Apesar de amantes por uma vida, nunca se juntaram. Ela, após a morte do marido Hugo, casou-se novamente. Além de Henry, e durante Henry , teve vários outros amantes – ao que pude entender, com a conivência do marido, que também fazia das suas. No filme, é interpretada pela atriz portuguesa Maria de Medeiros – que guarda impressionante semelhança física.

O que me chama a atenção em ambos – Anaïs e Henry – é a determinação em escrever. Ela era de família abastada, casou com um homem bem sucedido na carreira profissional, nunca passou necessidades. Henry sim, durante algum tempo. Mas para ambos, tato fazia. A literatura, a vontade de escrever estava acima de tudo.

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