Reflexões sobre a sexta-feira da paixão

A minha velha bíblia

Costumo me rotular como cristão. Não sob o aspecto religioso, mas filosófico – portanto, relativizando os ensinamentos de Jesus. Eu tenho uma bíblia. Por incrível que pareça eu tenho uma bíblia, a qual já li muito, na minha juventude. Li, simplesmente. Não estudei, não decorei. Há muito tempo que não a leio. Não a considero um livro “sagrado”, “escrito por Deus”. Nem mesmo inspirado por Deus. Me desculpem os crentes, sejam protestantes, adventistas, católicos ou judeus, pois não pretendo atingir qualquer fé. Tenho total e absoluto respeito por toda e qualquer crença fiel, originária. Mas sou daqueles que acreditam, conforme as mais apuradas pesquisas históricas, que a coletânea de livros reunidos na Bíblia foi escrita, durante vários séculos, por autores anônimos, escribas, que codificaram tradições orais passadas de geração a geração do povo hebreu. Pois a Bíblia junta tradições hebraicas escritas para hebreus.  O que não significa que não possa ter sido modificada, traduzida conforme a conveniência do império romano, num primeiro momento, e depois usada como instrumento de domínio por outros povos, inclusive líderes de seitas mal intencionados. 

Entrementes, não é sob este aspecto que estou abordando a temática bíblica agora. Oportunamente escreverei sobre a beleza poética da Bíblia. Agora quero compartilhar minhas reflexões pessoais acerca do personagem da semana, que é Jesus. Cheguei a duvidar da sua existência histórica. Busquei autores que realizaram pesquisas neste sentido, e hoje tenho apenas 10% de dúvida quanto à existência do personagem descrito como Jesus nos quatro evangelhos que compõem o que chamamos de Novo Testamento. Também não é do Jesus histórico que quero escrever, mas da mensagem que está ali, bem ou mal traduzida, na minha bíblia.

Não dou importância aos milagres atribuídos a Jesus. Muitos menos a sua origem divina – afinal, todos nós somos criaturas de Deus. Não acredito na virgindade de Maria. Talvez Jesus tenha mesmo morrido na cruz romana, como tantos outros naquela época. Talvez não. Talvez tenha se casado, como era a tradição judaica. Talvez tenha sido celibatário, como membro de uma seita – dos nazarenos, talvez. Talvez tenha sido meso carpinteiro, ou esta profissão ter-lhe-ia sido atribuída por erro de tradução do aramaico. Neste caso é provável que tenha sido pedreiro.  Não creio que tenha sido analfabeto, pois demonstra ter conhecimento das escrituras, embora naquela época as tradições fossem passadas oralmente pelos doutores da lei às crianças. Enfim, pra mim isso tudo pouco importa. A mensagem do que está escrito na minha bíblia traduzida para o português já me é suficiente:

Tendo Jesus entrado no templo, expulsou a todos os que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração, vós, porém, a transformais em covil de salteadores.” (Mateus 21: 12-13). É preciso dizer mais alguma coisa sobre os templos que negociam e extorquem em nome de Deus, ou preciso desenhar?

E em Lucas 17: 20-21:

Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Lá está! porque o reino de Deus está dentro de vós.”

Então eu deduzo que a Paz – o reino dos Céus – é interior, não depende de padre, pastor ou guru. Nós temos a chave do Reino, não precisamos de intermediário.

Jesus não criou religião. Era um judeu falando pra judeu sobre as tradições judaicas, usando o cenário da sua região, na sua época. Não teve olhos azuis, cabelos longos. Mais provável que tivesse a pele morena, cabelos curtos e não muito mais que 1,60 metro de altura – média para o judeu daqueles tempos. É só no contexto bíblico, ou seja, no contexto hebraico, que podemos entender a mensagem de Jesus. E nem o estou considerando como o Messias, Cristo, Emanuel. Pra mim isto é assunto pra se resolver entre os judeus.

Aliás, o que hoje chamamos de cristianismo, só recebeu este título cerca de um século após a morte de Jesus. Até então os seus seguidores formavam apenas mais uma seita judaica. A partir de Paulo, com os gentios – não judeus – introduzidos na fé, é que se distinguiram e desmembraram-se do judaísmo.

A mensagem atribuída àquele homem que se comportava como rabino é o que me importa – a Boa Nova! As perseguições e extermínios dos fiéis, promovidos por romanos, só aumentavam a fé daqueles que conheciam e praticavam os ensinamentos de Jesus. Ironicamente, o cristianismo começou a morrer a partir da decisão política de um imperador romano, Constantino, no Édito de Milão, em 313 d.C., no qual Roma declara-se neutra em relação a qualquer credo religioso, especialmente o cristão. E morreu em definitivo no Édito de Tessalônica, em 380 d.C, assinado por Teodósio I, tornando o cristianismo religião oficial de Roma.

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