MP dos refugiados prevê proteção e direitos a imigrantes venezuelanos

Refugiados venezuelanos acampados em praça pública de Boa Vista: omissão do governo federal. Foto: Assis Cabral.

A Medida Provisória 820 de 15 de fevereiro de 2018 “Dispõe sobre medidas de assistência emergencial pra acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária”. É a chamada MP dos Refugiados, que está em fase de tramitação e o seu relator é o deputado federal Jhonatan de Jesus (PRB/RR). Pelo texto, a medida não se limita à imigração, mas abrange todo e qualquer fluxo migratório, de estrangeiros ou nacionais, provocado por crise humanitária. É assim que estabelece o inciso I do art. 2°: situação de vulnerabilidade é a “condição emergencial e urgente que evidencie a fragilidade da pessoa, nacional ou estrangeira, no âmbito da proteção social, decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária”.

O art. 2° diz que proteção social é “o conjunto de políticas públicas estruturadas para prevenir e remediar situações de vulnerabilidade social e risco pessoal que impliquem em violação dos direitos humanos”. O inciso III define crise humanitária: “desastre natural ou conflito causado pelo homem que resulte em violação direta ou indireta dos direitos humanos”. A situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária, no território nacional, será reconhecida por ato do Presidente da República.

As medidas de assistência emergencial para acolhimento compreendem: proteção social, atenção à saúde, oferta de atividades educacionais, formação e qualificação profissional, garantia dos direitos humanos, proteção dos direitos das mulheres, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, população indígena e comunidades tradicionais atingidas; oferta de infraestrutura e saneamento, segurança pública e fortalecimento do controle de fronteiras, logística e distribuição de insumos, mobilidade, distribuição no território nacional e apoio à interiorização das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Atentamos para o fato de a interiorização depender da manifestação prévia de vontade das pessoas atingidas “que queiram se estabelecer em outro ponto do território nacional”, de acordo com o § 3º, art. 4º. Este dispositivo que torna facultativa a interiorização prejudica sobremaneira os estados fronteiriços como Roraima, pois obriga a sua população residente a suportar todo o impacto, como uma barreira geográfica que represa o fluxo imigratório.

Com efeito, hoje Roraima está à mercê do governo federal, por enquanto omisso na adoção das medidas emergenciais acima descritas no texto da MP, que está em vigor. Todos os serviços como atenção à Saúde e Educação, já de baixa qualidade, são concorridos pela população brasileira residente com os imigrantes venezuelanos, haitianos e cubanos. De fato, os brasileiros em Roraima estão tendo seus direitos comprimidos pelas demandas dos imigrantes e das populações indígenas.


O relator do processo de conversão da medida provisória em lei na Comissão Mista do Congresso Nacional, Jhonatan de Jesus, diz que “o processo de interiorização, da forma proposta pelo governo federal, não atende à necessidade do Estado de Roraima, que continuaria cheio” de imigrantes. Por isto propõe o “percentual de cotas por estado”, tendo como base de cálculo o contingente populacional da unidade federativa. E dá exemplo: “Se a gente colocar um percentual de 3% sobre a população, Roraima receberia 15 mil venezuelanos. Já o estado de São Paulo passaria a receber uns 600 mil”. Jhonatan propõe ainda a obrigatoriedade da vacinação na fronteira: febre amarela e tríplice viral – que inclui o sarampo, atualmente com alta incidência.

Jhonatan: proposta de cotas para distribuição de imigrantes nos estados da Federação.

Até a última quinta-feira, 19 de abril, já haviam sido apresentadas 102 emendas. Na Comissão Mista há várias linhas de pensamento. “Quem não é de Roraima quer afrouxar muito o controle”, diz o deputado, acrescentando que “quem é de Roraima não prega ou pratica a xenofobia, mas defende um controle mais aprimorado da fronteira, como o fazem a Colômbia, Chile, Peru e Argentina”.

Outra proposta de emenda à MP dos refugiados apresentada pelo relator é a dispensa da aceitação da FUNAI no Relatório de Impacto ao Meio Ambiente nos estudos de impacto ambiental. Isto viabilizaria medidas como as dos incisos VII e IX, art. 4° da MP 820/2018: oferta de infraestrutura e saneamento; logística e distribuição de insumos, respectivamente. Também repercutiria na interligação de Roraima ao sistema nacional de distribuição de energia elétrica, deixando o Estado de depender da energia de Guri, na Venezuela.


De nossa parte, sugeriríamos ao deputado relator a exclusão ou alteração do § 3o, art. 4o da MP:

“As ações relacionadas à política de que trata o inciso X do caput dependerão de manifestação prévia de vontade das pessoas atingidas que queiram se estabelecer em outro ponto do território nacional.”[1]

Com o estabelecimento de cotas entre as unidades federativas, o imigrante poderia escolher ir para estados que tivessem vagas disponíveis, mas não permanecer em estados cuja cota fora atingida. E a mobilidade não seria facultativa, mas obrigatória, sob pena de expulsão.

Infelizmente não cremos que propostas como exclusão da manifestação de vontade para a interiorização – em face do direito constitucional de ir e vir – ou o estabelecimento de cotas entre os estados vinguem. Haveria um mi-mi-mi infernal sob a alegação de atos desumanos.

Consulado da Venezuela em Boa Vista num dia normal: tudo tranquilo. Foto: Assis Cabral.

Mas enquanto o consulado da Venezuela em Boa Vista apresenta características de abandono, a sede da Polícia Federal tem recebido milhares de pedidos de abrigo com status de refugiado e a população local tem sofrido os efeitos desse fluxo imigratório no dia-a-dia. Tal padecimento irá se acentuar.

Violência – Era alta em Roraima e tem sido agravada com a enxurrada imigratória. Isto porque não há qualquer triagem dos venezuelanos que cruzam a fronteira. Junto com gente boa, trabalhadora e ordeira, vem muito bandido, inclusive traficante de armas e drogas, consolidando Roraima no circuito do tráfico internacional. O Estado já vinha passando pelo processo de estabelecimento das organizações criminosas. Muitos bandidos de alta periculosidade vêm a reboque da corrente imigratória e se integram às facções – relembrando que não há qualquer triagem eficaz na fronteira com a Venezuela: entra quem quer!

Venezuelanos em frente à sede da Polícia Federal em Roraima: pedidos de refúgio já ultrapassaram 30 mil. Foto: Jorge William/Agência O Globo.

Saúde – o atendimento era ruim. Agora piora a cada dia. Já não havia disponibilidade de leitos hospitalares para atender à demanda da população brasileira. Agora, então, a coisa atingiu níveis alarmantes. A única unidade de pronto atendimento da Capital mais parece unidade de campanha em tempos de guerra. O único hospital infantil de Boa Vista – e do Estado – já quase não tem leitos disponíveis e o atendimento clínico é lento, devido à enorme quantidade de crianças, principalmente venezuelanas, cujos pais ou responsáveis buscam os serviços de Saúde. Com o início da temporada de chuva as doenças respiratórias devem elevar substancialmente a demanda por atendimento. O sarampo, que estava erradicado do Brasil, agora em Roraima é epidemia. Com grande incidência de desnutrição, desidratação e consequente baixa imunidade, as crianças são alvos fáceis de doenças oportunistas.

Educação – Nas escolas publicas, principalmente do ensino fundamental, brasileiros encontram dificuldade para matricular seus filhos, devido ao grande número de crianças venezuelanas, cujos pais passam noites e dias nas filas para conseguir vaga.

Enfim, nos parece que o Brasil tem feito Roraima de esponja, obrigando-nos a absorver toda a enxurrada imigratória, ao mesmo tempo deixando-nos à míngua, tratando paliativamente dos efeitos colaterais. Enquanto isto, defensores dos direitos humanos do Brasil e do mundo condenam todo tipo de controle na fronteira, chamando qualquer iniciativa neste sentido de desumana. Nas redes sociais, qualquer reclamação ou reação é taxada de xenofobismo. Entidades internacionais, como a ONU, invocam o Brasil a prestar solidariedade aos refugiados venezuelanos, e o governo brasileiro acata tal imposição em face de tratados internacionais que só são exigidos por quem não sofre na pele as consequências.

Os próprios refugiados têm sido vítimas desse processo, pois acreditam que no Brasil vão encontrar abrigo, alimentação, transporte, educação e saúde, coisa que nem todo brasileiro tem acesso. Ocorre que o Brasil é demagogicamente o país das minorias. À maioria, formada pelo contribuinte mantenedor do Estado, só cabe a imposição dos impostos, enquanto as tais minorias são usadas como bucha de canhão.

 

 

[1] Inciso X, art. 4o: ampliação de políticas de mobilidade, distribuição no território nacional e apoio à interiorização das pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.

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