História Econômica e Política a Partir do Século XVII

A Ocupação da Amazônia

Santos e Cruz (1993, p.7) adotam quatro ciclos no processo de ocupação da Amazônia:

I – O ciclo das especiarias ou das drogas do sertão (1500-1860);

II – O ciclo da borracha (1860-1912);

III – O ciclo da pata do boi;

IV – O ciclo dos grandes projetos de modernas empresas.

Embarque de gado na cidade de Caracaraí – 1904

A Ocupação do Vale do Rio Branco

Aimberê de Freitas divide a ocupação de Roraima em quatro períodos (1996, p.96):

  • Da descoberta do rio Branco pelos portugueses até o início do século XIX;
  • Do início do século XIX até a criação do município de Boa Vista, em 1890;
  • Da criação do município até a criação do Território Federal de Roraima[1], em 1943;
  • De 1943 até nossos dias.

Principais Expedições

Antes da chegada do invasor europeu, a região que hoje compreende o Estado de Roraima era habitada por diversas etnias indígenas, que formavam uma complexa rede econômica envolvendo produção e comercialização que se estendia do rio Orinoco até o rio Amazonas, e daí intercambiando com outros grupos das regiões andinas.

Por volta de 1522 os espanhóis chegam à região do Caribe, pondo fim a essa harmonia interétnica, forçando as tribos que ali habitavam deslocarem-se em direção ao Orinoco.

“Em 1535, quando a expedição do militar espanhol Gonzalo Jiménez de Quesada partiu de Lima-Peru, para tentar encontrar os índios remanescentes do Império Inca fugidos das atrocidades de Francisco Pizarro, centenas de outras expedições embrenharam-se nos sertões da Colômbia, Venezuela e Roraima em busca do fabuloso El Dorado. Por mais de 300 anos, o noroeste da América do Sul foi palmilhado por aventureiros em busca dos tesouros de Manoa, capital do lendário Império da Guiana, chamada de El Dorado pelo espanhóis, rica em metais e pedras preciosas” (AMBTEC: 1994, p.27).

Pedro Teixeira, militar e sertanista português, chefiou uma expedição entre 1637 e 1639, a qual partiu de Belém do Pará e percorreu todo o curso do rio Amazonas, chegando a Quito, no Equador, percurso em que delimitou as terras da Coroa. Batizou o rio Branco com o nome que tem hoje. Antes este curso d’água era chamado pelos índios de Queçoene.

Em 1706 adentra no rio Branco a primeira tropa de resgate[2] de que se tem registro, comandada por Cristóvão Aires Botelho. Em 1710 Lourenço Belfort, em parceria com Francisco Ferreira, também realiza expedição à bacia do rio Branco em missão de resgate. Em 1718 expedição comandada por Francisco Ferreira tinha por missão o reconhecimento geográfico da região do vale do rio Branco, a fim de obter as chamadas drogas do sertão, e aprisionar índios para o trabalho escravo nas fazendas do Pará e Maranhão.

“São parcos os registros, mas as presenças, no Vale do Rio Branco, de Francisco Ferreira e do carmelita Fr. Jerônimo Coelho, desde suas bases no Negro, são conhecidas, descritas por Farage (1991, p.60), segundo a qual, há registros de que, à época, Fr. Jerônimo avançou seus negócios para além do Rio Negro, através das incursões de seu sócio Francisco Ferreira à bacia do rio Branco. Com isso, manteve intenso comércio com os holandeses da Guiana, retirando grande número de índios da região do rio Branco. Em conseqüência, é possível especular que parte da produção da missão dos Tarumãs iria parar nas mãos dos holandeses, certamente em troca de manufaturados, dos quais o fornecimento oficial português sempre foi tão parco” (SANTOS: 2000, p.31).

Neste período, diversas expedições espanholas, partindo da atual fronteira com a Venezuela, se estabeleceram nos rios Uraricoera e Amajari. A fim de expulsar os invasores e resguardar os domínios da Coroa, os portugueses também organizaram e expediram tropas pelos rios Branco, Uraricoera, Tacutu e Maú.

No ano de 1725 chegaram os primeiros carmelitas, oriundos do rio Negro, assentando diversas missões. Em 1741 o governo português envia tropa de resgate chefiada por José Miguel Aires, com o objetivo de fazer respeitar o governo no interior e resgatar índios. Neste mesmo ano o holandês Nicolau Horstman saiu da Guiana Holandesa e, navegando pelo rio Branco, chegou ao rio Negro, o que só aguçou a preocupação portuguesa quanto ao comércio existente entre índios e holandeses através dos rios Tacutu e Jauaperi.

Entre 1771 e 1773, os espanhóis, navegando pelo Orinoco, chegaram ao Uraricoera, onde se estabeleceram, fundando três núcleos populacionais à margem dos rios: Santa Rosa, São João Batista de Cada Cada e Santa Bárbara. Entretanto, brasileiros e portugueses conseguiram expulsar os espanhóis.

Planta do Forte de São Joaquim

Em 1752 o rei de Portugal determinou a construção de um forte à margem do rio Branco. Mas só com o episódio da invasão e posterior expulsão dos espanhóis é que os portugueses, finalmente, iniciaram a construção do Forte São Joaquim, em 1775, concluindo a obra somente em 1788.

“Em 1775, uma expedição portuguesa, comandada pelo capitão-engenheiro alemão Filipe Sturm, a serviço de Portugal, iniciou na confluência dos rios Tacutu e Uraricoera, a construção do Forte São Joaquim, cujo fim era defender o sistema fluvial do rio Branco, e impedir a entrada dos invasores. A obra foi concluída em 1788” (AMBTEC: 1994, p.29).

Um outro relato dá conta de que os espanhóis construíram um forte às margens do rio Uraricoera, em 1777, dando-lhe o nome de Santa Rosa. Sob o comando de Sturm, as forças portuguesas expulsaram os invasores, consolidando o domínio na região. Naquele mesmo ano (1777) já havia cinco aldeamentos[3]– ou missões: N. Sª da Conceição (rio Uraricoera)[4], São Felipe (rio Tacutu), Santa Bárbara, Santa Izabel e N. Sª do Carmo (as três no rio Branco).

Ruínas do Forte de São Joaquim

“No fim desse século, 1789, as povoações existentes ao longo do rio Branco, com exceção da do Carmo, foram completamente destruídas quando da insurreição dos índios contra os soldados do Governo, na chamada revolta da “Praia do Sangue”, próximo ao lago Arauari” (AMBTEC: 1994, p.29).

Aimberê de Freitas assegura que antes desta, houve outras revoltas:

“Esses aldeamentos foram completamente abandonados pelos índios entre 1780 e 1781 depois de um grande levante destes contra os portugueses. Os índios não aceitavam as condições impostas pelos colonizadores portugueses.

Nova tentativa de aldeamento (colonização) ocorreu em 1784 com 4 (quatro) novas aldeias: N.S. do Carmo, único que não aderiu ao levante anterior, São Felipe, São Martinho, Santa Maria e N.S. da Conceição. Ainda assim em 1790 houve outra revolta maior e a experiência de colonizar os índios foi praticamente encerrada” (FREITAS: 1996, p.91).

“Em 1793, foram fundadas as “fazendas nacionais:” do Rei[5], a São Marcos, pertencente a Nicolau de Sá Sarmento, comandante do presídio, e a São José, pertencente ao capitão José Antonio Évora, morador no rio Negro. Devido ao seu progresso a Fazenda São José chegou a ser povoação-sede do Forte São Joaquim” (AMBTEC: 1994, p.29).

A delimitação das fronteiras teve início em 1787, com a Primeira Comissão Portuguesa de Limites, chefiada por Manuel da Gama Lobo D’Almada, subindo o Uraricoera até a foz do rio Araricapará. Quanto ao objetivo inicial, a expedição foi infrutífera. Em compensação Lobo D’Almada estudou minuciosamente a bacia do rio Branco, chamando-lhe atenção “a fertilidade dos campos do rio Branco”.

“Em 1784, foram levadas por ele as primeiras cabeças de gado bovino, cavalar e amuar, comprados em alguns distritos do Amazonas, para a Fazenda São Bento, situada em frente ao Forte São Joaquim. Todo o gado “vacum” existente na época era em torno de 400 cabeças” (AMBTEC: 1994, p.30).

Várias outras expedições foram empreendidas com o fim de delimitação das fronteiras, sem êxito. Entre 1879 e 1884 os trabalhos foram retomados, todavia, os resultados não foram aceitos pelo governo venezuelano[6].

Formação Econômica do Estado de Roraima

Haroldo Amoras apresenta três fases, ou etapas, do processo de formação econômica de Roraima:

  1. O ciclo extrativista colonial – que se estende do século XVII até a segunda metade do século XVIII;
  2. O ciclo da pecuária – tendo em vista que o ciclo econômico da borracha aconteceu na Amazônia de um modo geral, exceto no Vale do Rio Branco; este presenciou o ciclo da pecuária, desde o final do século XVIII;
  3. O ciclo da geopolítica da segurança nacional (SANTOS: 2000, p.6).

Esta última fase é marcada pela criação do Território Federal, desdobrando-se em três fases:

  •  Sob inspiração do Estado Novo, esta primeira fase estende-se de 1943 a 1964;
  •  A segunda fase compreende o regime militar, entre 1964 e 1985, obedecendo a um período de transição de 1985 até 1990;
  • A terceira fase compreende 1991 até os dias atuais.

Neste trabalho consideramos o período a partir de 1991, que corresponde à assunção do Território Federal a Estado-Membro da Federação, como uma etapa autônoma da história e da formação econômica do Vale do Rio Branco.

Haroldo Amoras levanta três hipóteses para sustentar sua tese de que o Vale ficou de fora dos ciclos econômicos da Amazônia, não auferindo os benefícios de integração nacional estendidos a Manaus e Belém:

“i) Roraima tem localização setentrional periférica (fator locacional), enfrentando dificuldades de acesso ao resto do País, face à navegabilidade restrita do rio Branco, que ao final determinaram o seu insulamento, o qual foi quebrado apenas na década de 1970, com a  construção da BR-174; presencia-se nesse cenário elevados custos de transação que se associam também à inexistência de economias externas; Roraima se caracteriza como última fronteira de expansão agro-mineral do País;”

“ii) escassa dotação inicial de fatores, representada pela escassez de matérias-primas (trade), baixa fertilidade natural do solo e rarefação demográfica; mercado local muito restrito;”

“iii) a presença de restrições institucionais à expansão capitalista, representadas pela baixa regularização fundiária e reservas indígenas.”

Neste contexto, Amoras avalia que “As principais fontes explicativas do crescimento econômico de Roraima, e da Amazônia como um todo, nos últimos 28 anos, têm origem, portanto, na formação bruta de capital do governo e nas despesas correntes, associadas aos incentivos fiscais e creditícios, estes em menor proporção no caso de Roraima” (SANTOS: 2000, p.2).

O extrativismo colonial

No contexto amazônico, o período do extrativismo colonial caracterizou-se pela exploração de especiarias e drogas do sertão. Sua mais marcante expressão está na exploração da borracha (1880-1910).

Este ciclo reflete a expansão do capital mercantil, caracterizada pela conquista da terra e exploração de seus recursos naturais, sendo incontestável que, ao longo dos séculos da “colonização”, o Brasil desempenhou papel de armazém de matérias-primas do mercado mundial. A Amazônia assumiu papel distinto nesta tarefa com a pecuária e a mineração, atividades que ensejaram o povoamento da região.

Em particular, além das chamadas drogas do sertão, o Vale do Rio Branco participou desta fase como supridor de mão-de-obra indígena (escrava) para atender às demandas de Belém e do Amazonas, até meados da década de 1770[7].

Adair J. Santos nos diz que “Os holandeses foram os precursores da visão comercial que, no século XVII, despertou o interesse mercantil entre os índios do Vale do Rio Branco” (2004, p. 20)

“Os primeiros nativos com quem os holandeses começaram a comercializar, no Vale do Rio Branco, foram os paravianas e os caripanás, sendo estes últimos considerados os povos mais selvagens e guerreiros da região e suspeitos, inclusive, de serem antropófagos. Essa influência mercantil estendeu-se até a foz do rio Negro, onde se tornou de grande interesse entre os índios Manaus, transformando o seu valoroso tuxaua Ajuricaba em notável mercenário e poderoso mercador de escravos índios, capturados entre os seus adversários nativos daquela região. As suas incursões guerreiras se estenderam até a bacia do Rio Branco, onde também capturou índios que depois foram comercializados com os holandeses, de quem se transformou em grande aliado. Estava, dessa forma, implantada a essência do comércio entre os povos nativos da então Guyana Portuguesa, hoje Estado de Roraima” (J. SANTOS: 2004, p.21).

Após a descoberta do Rio Negro por Pedro Teixeira, outros europeus, a exemplo dos holandeses, investiram na região intentando o potencial de recursos naturais e intensificando progressivamente o extrativismo clandestino, sobretudo das já mencionadas drogas do sertão, denominação genérica de produtos vegetais que constituíam outra peculiaridade extrativa do Brasil colônia, também presente no processo de ocupação da Amazônia, destacando-se:

Na flora medicinal: muquem (depurativo do sangue e indicado para contusões); pinhão (purgativo); sanacurí (vomitório e indicado para febre); comandauaçú (indicado para a cura de impigens); guapuí (emplastros em dores e fraturas); sucuba (cura de tumores); copaíba (antibiótico e antiinflamatório natural); parimarióba (combate a febre, gripe e bronquite); caapeba (laxante); mucuracaá, pirinaca e jaramacarú (antídotos contra venenos); Salsaparrilha ou japecanga (depurativo do sangue e sudoríparo, além de matéria-prima para vários fins artesanais).

Cascas e entrecascas de árvores: manjuba e castanheiro (fabrico de cordas); umirí (fabrico de perfumes e medicamentos); preciosa (fabrico de vários medicamentos); mureí (dores estomacais).

Cipós: timbotica; guambé; cururútimbó; cipó-pitanga; ituá e cipó-frutífero (matérias-primas para produtos artesanais como cestos, móveis, peneiras e outros).

Plantas e ervas diversas: Ananás; copinari; carirú, jambú; cará; taiá; mirí; uarcá; gengibre ou mangarataia; abuta; maniba (maniva ou mandioca brava); macaxeira ou aipim (mandioca mansa); menduí ou amendoim; cobio; batata doce; cana-de-açúcar e algodão.

Árvores frutíferas: cacau; sorva; umirí; guajará; uçururê; acaiá (cajá ou taperebá); ingá; bacorí ou bacori; mangaba; guajerú; caju; uauaxí ou uixi, pacova (banana); mamão; biriba; abio; inajá; patauá; uaçaí ou açaí; ubacaba ou bacaba; murucajá ou maracujá; mucajubá; tucum; goiaba; araçá; ambaúba ou embaúba, etc.

Madeiras: maçaranduba; itaúba; uacoaricoara (aquariquára); murapiranga; ipê (pau d’arco); pequiá; guariuba; jacareúba; conoreué; uarima; sucupira; angelim; pau rainha; cupiuba; paricarana; cumaru; pirituba; muraiapenima; mucaatiára; pau-roxo; muraú; louro; cedro amargo; cedro doce; marapaúba; castanheiro, etc.

“Entre os anos de 1639 e 1655, o Rio Branco que, na época, era conhecido pelo nome de Queceuene, entre os nativos da região, começou a ser navegado por religiosos carmelitas holandeses, que contrabandeavam as chamadas “drogas do sertão” e predadores de índios, para a manutenção do infame comércio escravista. (…). Em 1680, os religiosos carmelitas administravam os trabalhos rurais executados por índios catequizados ou reduzidos e transformados em mão-de-obra escrava para serviços braçais. Esses serviços se intensificavam mais na prática do extrativismo vegetal, que tinha demanda segura com a procura constante por mercadores europeus” (J. SANTOS: 2004, p.21).

Os portugueses conseguem manter o domínio político, econômico e militar, alternando táticas conforme a necessidade. A partir de 1775, com o andamento da construção da Fortaleza de São Joaquim, “na confluência dos rios Branco e Tacutu, intensificava-se também processo de redução das tribos indígenas na região, tendo como objetivo a fundação de povoados onde os nativos pudessem ser orientados para o desenvolvimento de trabalhos rurais mais produtivos, de forma a que viessem a se tornar economicamente mais lucrativos para os colonizadores” (J. SANTOS, p. 25).

Entretanto, não obstante a política imposta pelos portugueses, incluindo religiosos, colonos e capitães de aldeias, os indígenas não se adaptavam ao regime de “salários”[8] e à rigorosa disciplina a que eram submetidos.

“Pressionados pelos portugueses, que implantavam um processo administrativo embasado na estratégia de aculturação imediatista e extermínio gradativo, sofrendo com os rigores das reduções, escravidão imposta pela catequese e o terrorismo das guerras justas – apesar de notoriamente enfraquecidos – em se tratando de organização em termo de unidade política ou estratégia de grupo, os nativos reagiram destruindo povoados, abandonando aldeamentos, e matando soldados portugueses. (…) Em 1784, os portugueses tentaram implementar uma nova estratégia de colonização. Começaram a reativar o povoado de Nossa Senhora do Carmo, que na época se encontrava em estado de abandono, e fundaram mais quatro povoados a quem deram os nomes de Santa Maria, Nossa Senhora da Conceição, São Felipe e São Martinho. Esses povoados foram novamente destruídos no ano de 1794, em consequência de uma segunda revolta gerada pelos índios Paravianas e Wapixanas diante de injustiças sociais praticadas pelos europeus” (J. SANTOS: 2004, pp 26 e 27)

A Pecuária e o Garimpo

A Coroa Portuguesa passa a ver na ocupação do extremo-norte da Amazônia uma estratégia de contenção da expansão espanhola, holandesa e francesa através do Vale do Rio Branco, a partir das guianas e da Venezuela. Por conseguinte, decide pela formação de “muralhas humanas” em torno do Forte São Joaquim, cuja ordem para construção foi dada em 1752 pelo rei de Portugal, mas iniciada somente em 1775 e concluída em 1788.

Como medida complementar, em 1784[9], ou 1789[10] é introduzido gado bovino por Manuel da Gama Lobo D’Almada, então presidente da província do Amazonas, em regime extensivo ao redor do Forte, a fim de suprir a alimentação de sua guarnição. Esta atividade pecuária transforma-se na base de sustentação econômica do Vale do Rio Branco.

A partir de 1880 até 1920 eclode o ciclo da borracha no Amazonas e Pará. O Vale do Rio Branco participa perifericamente, fornecendo carne bovina para Manaus, que por sua vez sofre processo de urbanização acelerada.

Com a retração da demanda do mercado manauara, em virtude da crise do ciclo da borracha, que resultou na desestruturação da economia da Amazônia, inclusive a pecuária do Vale do Rio Branco, surge uma nova alternativa econômica: o início da garimpagem, por volta de 1930. Destaca-se primeiramente diamante e depois ouro, extraídos nas áreas de fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, formando “um quadro que fomenta a migração e a fixação do homem na região, em atividades eminentemente primárias com pouca expressão na indústria de transformação, sem significativo incremento da economia” (SEPLAN: 2003, p.9).

A mineração passa a ser a principal atividade na região. “Em 1943, quando é criado o Território do Rio Branco, 59,6% do valor total da produção do território correspondeu à produção de ouro e diamante, enquanto a pecuária contribuiu com apenas 26,8%. Em 1920 o rebanho bovino contava com 300.000 cabeças, diminuindo para 120.000 cabeças em 1945” (CABRAL (org): 1994, p.55).

Os garimpeiros vinham de diversas partes do Brasil, mas principalmente do Nordeste, para a exploração em áreas como a região do Tepequém, no eixo dos rios Surumu, Cotingo e Maú.

Em 1948 Adolfo Brasil cria a Empresa de Mineração Tepequém Ltda, a qual, em 1950, passa a ter licença para a lavra na serra do Tepequém, concedida pela Presidência da República.

“Na década de 1950 já se utilizavam pequenos aviões para acesso ao garimpo. Boa Vista contava com voos regulares para Manaus, e voos internacionais diretos para Georgetown e Caracas.

Nos anos de 1960 a atividade mineral entra em declínio e vários núcleos criados em torno das áreas de garimpo desapareceram, traduzindo-se em uma ocupação episódica” (CABRAL (org.): 1994, pp. 55 e 56).

Garimpagem em Roraima na década de 1970

A garimpagem voltaria a ter destaque na economia roraimense somente a partir de meados da década de 1970 e, mais recentemente, com o boom do garimpo, registrado em meados da década de 1980.

Ciclo da Geopolítica da Segurança Nacional

O presidente Getúlio Vargas, no comando do Estado Novo, adota a estratégia da Segurança Nacional, criando, em 1943, diversos territórios federais. Na Amazônia cria os territórios do Amapá, Rio Branco (mais tarde Roraima) e Rondônia.

Como já visto, Haroldo Amoras subdivide este período em três etapas:

Primeira etapa (1943-1964)

O refluxo do ciclo da borracha, no final da década de 1910, volta a estagnar o processo de formação de capital na Amazônia, e o Vale do Rio Branco fica à mercê da pecuária declinante e da exploração garimpeira.

A partir da década de 1940 “a implantação da infra-estrutura começa a tomar forma, em especial com a comunicação, urbanismo e transporte (fluvial e aéreo). Será fomentado, de fato, a partir dos anos de 1970 com a estratégia de ocupação da Amazônia pelo Governo Federal, ações nos mais diversos setores e em especial com a construção da BR-174, que liga Manaus a Venezuela” (SEPLAN: 2003, p.9).

Esta fase se caracteriza “pelo esforço de aprofundamento do conhecimento da realidade regional, de suas vantagens, potencialidades e desvantagens consubstanciadas no I Plano Quinquenal, o qual propõe a ocupação do Vale através de colônias agrícolas” (SANTOS: 2000, p.10).

Em 1944 toma posse o primeiro governador nomeado do Território Federal do Rio Branco, Ene Garcez dos Reis (junho de 1944 a março de 1946). O texto abaixo expressa a primeira impressão do governador relativamente ao Vale do Rio Branco:

Capitão Ene Garcez: primeiro governador do Território Federal de Roraima

“Porta aberta de um paraíso em que o homem ainda é um mendigo, para usar de uma expressão de Hamilton Rice, mal guarnecida e mal fiscalizada, a região em que hoje se situa o Território Federal do Rio Branco possui as mesmas características de precariedade da maioria da superfície do Estado do Amazonas, cuja intensidade geográfica vale como um fator de lentidão de seu próprio progresso: a) insuficiência tributária e rarefação demográfica; b) ausência de núcleos administrativos capazes de melhor afirmar a existência da soberania nacional nos postos mais avançados da Região (…); c) má distribuição da população, porquanto o povoamento natural do território, ao sabor das leis da oferta e da procura, se faz espontânea e empiricamente, sob o influxo dos ciclos econômicos da indústria extrativa, e sem oferecer as necessárias condições de radicação ao meio; d) desperdício, inaproveitamento e exploração desordenada dos recursos naturais, sempre sujeitos à sanha e ao imediatismo; e) completa falta de assistência, sob qualquer aspecto, social, econômica ou médica, da massa rural do território, onde há lugares, como a própria sede do município de Boa Vista, em que o índice de natalidade – pelo qual se evidencia a miséria orgânica das populações, principalmente indígenas, – é assombrosamente inexpressivo” (extraído de SANTOS: 2000, pp. 45-46).

Batelão de cargas. Desembarque de mercadorias no Cais do Porto de Boa Vista. Década de 40

De fato, as condições do novo Território Federal não eram das mais favoráveis. Não havia sequer prédios públicos para a instalação da nova administração. O governador prontamente determinou a elaboração de um diagnóstico da situação vigente e com base neste a formulação do I Plano Quinquenal do Rio Branco, apresentado ao Governo Federal em outubro de 1944. Parte do relatório final do diagnóstico resume uma realidade não tão distante dos dias atuais:

“A dolorosa realidade é que não há agricultura no Território, tão insignificante é o volume de sua contribuição à produção total. A percentagem, 3,7% revela que nem mesmo se produz o suficiente para o consumo da exígua população. O povo, numa apatia estonteante, prefere recolher das florestas os produtos de que necessita (…). Quanto aos “fazendeiros”, senhores de outrora famosos rebanhos do Rio Branco, com raríssimas exceções, estão indo para a garimpagem do diamante e faiscagem do ouro. Ouro e diamante significam dinheiro rápido, à grande; daí o abandono quase geral das atividades agropecuárias e a consequente desorganização da economia territorial” (Cavalcante, 1945, p. 48, apud SANTOS: 2000, p.48).

As propostas do I Plano Quinquenal apresentavam a implantação de uma estrutura mínima para a administração pública e a prestação de serviços essenciais nas áreas de saúde e educação, até então praticamente inexistentes. Em suma o governador propunha que o aumento da taxa de natalidade e uma política racional de radicalização do homem no campo promoveriam excedentes da produção agrícola, montante que deveria ser comercializado com a Venezuela e, à época, guianas Inglesa e Holandesa, visando estender rota comercial com o Atlântico através do porto de Belém. Ante a ausência de política federal de integração nacional visando o desenvolvimento regional dos recantos mais longínquos, é evidente que os planos de Ene Garcez não produziram os frutos desejados.

Até 1964, o único resultado relevante das políticas normativas de integração e desenvolvimento da Amazônia, no que diz respeito ao Vale do Rio Branco do ponto de vista econômico, foi a criação e implantação das colônias agrícolas Fernando Costa[11] em 15/06/51; Brás de Aguiar[12] em 07/06/52; Coronel Mota[13] em 10/09/55 e Santa Maria do Boiaçu em 10/09/55.

Os investimentos públicos realizados até 1964 restringiram-se à construção de escolas, postos médicos e abertura de alguns quilômetros de estradas vicinais, além da urbanização da capital Boa Vista.

Segunda Etapa (1964-1990)

Este período é marcado pela política desenvolvimentista implementada pelos governos militares, destacando-se o lema integrar para não entregar, caracterizando o paradoxal nacionalismo típico das ditaduras latino-americanas. O povoamento da Amazônia como forma de assegurar a soberania nacional e o expansionismo da fronteira agrícola, mormente para atender às demandas das populações nordestinas vítimas da seca, tendo como instrumentos a abertura de rodovias federais visando o corte espacial Norte-Sul e Leste-Oeste, respectivamente: rodovias Perimetral Norte e Transamazônica, marcam referência na política de segurança nacional para a Amazônia, não pelos programas e projetos por si, mas pelo logro que vieram a registrar na história, uma vez que até os nossos dias nenhum dos dois empreendimentos foi concluído. Sobressai a inauguração[14] da rodovia BR-174 em 1977 ligando a Venezuela a Manaus, passando por Boa Vista.

“Nesta etapa destaca-se a Operação Amazônia e o Programa de Integração Nacional (PIN), com a implementação de infra-estrutura (transportes, energia e comunicações) tendo por eixos de integração as rodovias federais de penetração e os projetos oficiais de ocupação da Amazônia de um modo geral, e do Vale do Rio Branco em particular, executados no contexto nacional do modelo de substituição de importações, com o Estado Nacional exercendo os papéis de promotor e produtor do crescimento econômico; no caso dos territórios federais, o financiamento desse processo foi viabilizado com a inclusão desses entes autárquicos no Fundo de Participação do Estados – FPE, que possibilitou fonte contínua e estável de financiamento das ações governamentais” (SANTOS: 2000, p.10).

No campo nacional agravava-se a crise fiscal herdada do regime militar, o qual apostara no crescimento interno financiado por empréstimos externos a juros de mercado, juros estes inicialmente baixos em virtude do excesso de liquidez no sistema financeiro internacional originado do refluxo dos dólares auferidos pelos países exportadores de petróleo a partir de 1973[15], mas que com a guerra árabe-israelense minguaram, elevando o spread a níveis estratosféricos no final dos anos 1970, pondo a pique todo o projeto do milagre brasileiro.

No período marcado os gastos do Governo já se manifestam como o principal componente da demanda agregada e fator determinante do crescimento econômico do Território, pois mais uma vez Roraima não foi sofreu impacto positivo das políticas de incentivos fiscais e promoção de infra-estrutura direcionadas à Amazônia, nem mesmo com a criação da Zona Franca de Manaus.

Seu órgão gestor, a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus), que tem como objetivo o estabelecimento das políticas de desenvolvimento da Amazônia Ocidental, não conseguiu modificar o curso tradicional da formação de capital em Roraima, sequer residualmente ao fenômeno amazonense.

“O capital mobilizado através dos incentivos fiscais, no que diz respeito ao Norte, se dirigiu principalmente para o Amazonas e o Pará. Em direção a Roraima, apenas a exploração de ouro e cassiterita despertou interesse, a partir dos resultados do Projeto RADAM, na década de 1970 e, mais recentemente, desde a segunda metade da década de 1980. O interesse, porém, não se transformou em investimentos produtivos, exceto pelo garimpo realizado de forma predatória.

É oportuno destacar a singularidade mencionada, qual seja, que a pecuária de Roraima não foi movida pelos incentivos fiscais, dentro da lógica de transformação dos excedentes dos capitais industriais, bancários e comerciais em capital fundiário, com a transformação da terra em ativo financeiro, funcionando como reserva de valor. Os pecuaristas tradicionais de Roraima são na verdade frutos da expansão vegetativa da atividade, utilizando a mão-de-obra indígena e pastagens naturais de baixa produtividade” (SANTOS: 2000, p.64).

Note-se no período a criação da CAER (Companhia de Águas e Esgotos de Roraima) em 1969; da CER (Centrais Elétricas de Roraima) em 1969; do BANRORAIMA (Banco de Roraima) em 1968, e da CODESAIMA (Companhia de Desenvolvimento de Roraima) em 1979.

O boom do garimpo

Como vimos acima, a atividade garimpeira do ouro e do diamante tem sido uma constante na trajetória histórica e econômica do Estado de Roraima. No final da década de 70 e por quase toda a década 80 do século passado[16], contudo, tal atividade assume papel histórico, político e socioambiental de destaque. Tal período recebeu o jargão de boom do garimpo.

Verdadeira corrida do ouro tupiniquim, teve como resultado o inchaço populacional, sobretudo na capital Boa Vista, juntamente com o crescimento dos índices de violência urbana e rural, neste último caso, principalmente nas áreas de garimpagem. É neste período, basicamente entre 1980 e 1990, que Roraima inaugurou os problemas socioeconômicos hoje sobremaneira agravados com o crescimento do contingente populacional absoluto e, particularmente, da faixa econômica situada abaixo da linha de pobreza.

Foi a partir do final da década de 1970 que Roraima passou a encerrar no seu contingente demográfico os primeiro mendigos, os primeiros flanelinhas e os primeiros latrocínios cometidos cotidianamente.

Entre 1950 e 1960 a população residente do Estado cresceu 56,24%, a uma taxa média geométrica anual de 4,56%. Na década seguinte a taxa decaiu, com 44,45% entre 1960 e 1970, com taxa média geométrica anual de 3,75%. Mas em 1970 já começam a aparecer os efeitos iniciais da corrida aurífera, apresentando um crescimento de 93,61%, com taxa média geométrica de 6,83% – valor este que comprova componente de incremento populacional atípica inserida nos últimos anos da série histórica. Entre 1980 e 1991 a componente de atipicidade fica mais patente com o crescimento absoluto da população em 174,87%, a taxa média anual de 9,63%.

Estima-se que entre os anos de 1987 a 1991 estiveram aproximadamente 40 mil garimpeiros dentro da reserva indígena ianomâmi. Neste período o aeroporto de Boa Vista era o segundo mais movimentado do Brasil em número de pousos e decolagem, chegando a registrar 500 pousos/decolagens/dia.

Inúmeros relatos constroem o folclore em torno do garimpo na época, invariavelmente relacionado à riqueza repentina e breve. Muito comum garimpeiro, com aparência embrutecida, chegar em uma revendedora de veículos e comprar dois, três carros de primeira linha: um pra ele mesmo, outro para a esposa e o terceiro para uma amante – normalmente prostituta de baixo meretrício – recém conhecida. Boates eram fechadas para festas particulares e todas as despesas pagas – inclusive as mulheres – por um único garimpeiro que bamburrara.

Outros relatos que impressionam dizem respeito à habilidade dos pilotos que operavam nas pistas de pouso clandestinas. Conta-se, por exemplo, que quando muito curtas as pistas para a decolagem, amarrava-se o avião com corda resistente a uma árvore de porte para que a aeronave aumentasse a rotação da hélice até o ponto em que a força fosse suficiente para a decolagem. Então era cortada a corda e o avião levantava voo no reduzido terreno de que dispunha.

Vários assassinatos, tanto nas áreas de garimpo quanto em áreas urbanas, principalmente na capital Boa Vista, também eram uma constante. O autor deste trabalho presenciou ao vivo pelo menos três assassinatos que impressionaram pela frieza, pela banalidade à vida humana: pistoleiro de aluguel atirando à queima-roupa, sem qualquer vacilo, e saindo andando, tranquilamente, com a arma ainda quente na mão. Depois entra em um carro e vai embora, sem qualquer perseguição, com total impunidade pelo crime.

A partir de 1990 as pressões internacionais forçaram o então presidente Fernando Collor de Mello a proibir a exploração garimpeira nas áreas indígenas, com a dinamitação das pistas de pouso clandestinas situadas naquelas áreas.

Deste período não houve resultado positivo consistente no longo prazo. Parte da população flutuante atraída pelo garimpo fixou-se no Estado, constituindo bolsões de pobreza na periferia de Boa Vista, composta, em sua maioria, por mulheres, crianças e idosos, sem formação educacional nem profissional.

A Transformação em Estado-Membro

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Título X, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 14, assim estabelece:

“Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.”

O parágrafo primeiro estabelece que “A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990”.

Em 1º de janeiro de 1991 toma posse Ottomar de Sousa Pinto, primeiro governador eleito, oficial da Aeronáutica que já governara o Território no início dos anos de 1980 nomeado pelo Governo militar.

Foram implantados o Ministério Público Estadual e os poderes Legislativo e Judiciário, por força da organização administrativa imposta pela República com fulcro na Constituição Federal. Mas tal institucionalização foi a mínima necessária. Os primeiros concursos públicos para preenchimento dos quadros efetivos do Poder Executivo – com exceção dos concursos para Fiscal de Tributos Estaduais e professor – só foram realizados em 2003, com evidente prejuízo não só da Administração, como também dos que ocupavam tais funções em regime de livre nomeação – a mais das vezes fruto do clientelismo e apadrinhamento político.

O fluxo migratório de pessoas sem qualificação profissional e descapitalizadas torna-se contínuo. Sem perspectiva de aplicação dessa mão-de-obra, sem parque industrial ou pólo agrícola empresarial e uma praça comercial dependente direta ou indiretamente dos gastos do governo, hoje o Estado vive uma situação pré-falimentar. A chamada economia do contra-cheque[17] não mais tolera as demandas naturais do crescimento demográfico e institucional.

Foram implantados importantes componentes da base logística: a) conclusão da pavimentação asfáltica da rodovia BR-174, que liga a Venezuela a Manaus, passando por Boa Vista; b) a pavimentação asfáltica da rodovia BR-401, que liga a capital Boa Vista a Bonfim, cidade fronteiriça com a República Cooperativa da Guiana; c) ampliação da capacidade do Aeroporto Internacional de Boa Vista; d) conclusão e operacionalização da linha de transmissão de energia elétrica do complexo Guri-Macagua, sul da Venezuela, até Roraima.

Todavia, tais elementos da base econômica não têm sido capazes de atrair capitais externos para investimentos autônomos substanciais e, desta forma, viabilizar a formação bruta de capital no Estado.

Os principais entraves invariavelmente recaem, em primeiro lugar, sobre a política administrativa que se tem praticado de longa data, não se diferenciando nos dias atuais[18], o que faz de Roraima uma verdadeira oligarquia nos moldes presenciados em grande parte do Nordeste brasileiro.

De natureza estrutural, outro importante entrave à formação de capital é a questão fundiária, tendo como pano de fundo a questão indígena, temas estes que abordaremos mais adiante.

Com 28 anos de efetiva autonomia político-administrativa, Roraima tem uma breve história permeada por questões de ordem político-partidária que invariavelmente envolvem a malversação dos recursos públicos. O primeiro governador eleito, como já vimos, foi Ottomar Pinto (1991-1994). Seu sucessor foi o engenheiro Neudo Ribeiro Campos, eleito duas vezes (1995-2002). No segundo mandato desincompatibilizou-se para concorrer ao Senado[19], sendo substituído pelo vice, Francisco Flamarion Portela, que foi reeleito para o período seguinte: 2003-2006. Esta última eleição foi polarizada entre Ottomar e Flamarion. Ottomar, que também fora governador do antigo Território Federal, deputado federal e prefeito de Boa Vista (1997-2000) teve maioria dos votos no primeiro turno da eleição, mas foi derrotado no segundo. Exercendo direito subjetivo, ajuizou ação contra a chapa encabeçada por Flamarion, com fulcro em provas documentais de uso da máquina pública na campanha. A ação tramitou por quase dois anos e, por fim, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deu-lhe ganho de causa em definitivo.

Portela, logo depois de eleito, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, mas em dezembro de 2003 pediu afastamento da sigla em virtude do seu suposto envolvimento com desvio de dinheiro público no caso que ficou célebre como esquema gafanhotos.

É patente o fato de que tamanha instabilidade política afugenta os investimentos de capital. A administração pública em Roraima é tocada ao humor do administrador – enquanto este se mantém no poder. Não há aplicação do princípio da continuidade.

A Base Econômica

Em regra, uma economia passa do Setor Primário para o Secundário e daí expande-se ao Terciário. Roraima passou de uma economia baseada na produção primária para a atividade terciária, assentada na combinação entre oferta de emprego e demanda por bens e serviços finais por parte do setor público. Este fenômeno, a nosso ver, debilitou a formação dos fatores de produção em razão do não estabelecimento da estrutura industrial própria, e da dependência endêmica do empresariado local em relação aos governos, já que no plano local, o grande elemento indutor da formação de capital é o Setor Terciário, onde a máquina administrativa, como já frisado, é o principal demandante de serviços e produtos finais, nas três esferas: federal, estadual e municipal[20].

“Materialmente, a economia roraimense foi impulsionada, sobretudo, pelos dispêndios do setor público e pelo rápido crescimento populacional. As despesas públicas se dirigiram à formação de infra-estrutura (transportes, energia e comunicações), à implantação de equipamentos urbanos, à organização da estrutura administrativa e física do governo, com vistas à prestação de serviços públicos, tais como educação, saúde e saneamento, segurança, projetos de assentamento rural e de colonização, passando pela contratação de pessoal. O crescimento demográfico, por sua vez, se revelou bastante elevado, com taxa superior e 9% ao ano, entre 1980 e 1990, produzido essencialmente pela migração. O Nordeste e o Sul, por razões diversas, presenciaram seus excedentes populacionais serem atraídos pela abertura das novas fronteiras agrícolas, pelos garimpos, associados à expansão do setor de serviços nas áreas que se urbanizavam rapidamente, a exemplo do que ocorreu em Roraima, com a cidade de Boa Vista, capital do Estado, e no restante da Amazônia” (SANTOS: 2000, p.1).

Schumpeter[21] estabelece três ciclos na ordem da formação econômica dentro do modelo capitalista: o primeiro é curto, resumido na acumulação. O segundo, médio, constituído pelos investimentos decorrentes do acúmulo no ciclo anterior, onde despontam as inovações de alcance limitado. O terceiro ciclo é longo, caracterizando-se pelo aparecimento das grandes inovações: intensificação tecnológica, com máquinas e equipamentos no processo de produção industrial, ferrovias, estradas, eletrificação, indústria de base, etc. Para que haja a formação e a mutação desses ciclos é essencial a inovação, aqui compreendida como a introdução de novos bens e de novos métodos de produção, a abertura de mercados, a conquista de novas fontes de fornecimento de matérias-primas ou de produtos semimanufaturados, ou ainda a instituição de uma nova organização industrial, como a criação de um monopólio  – ou o rompimento do mesmo, etc. E o elemento catalisador dessa inovação, por definição, é o empresário, o qual realiza novas combinações e introduz às inovações. Mas a tal dependência endêmica do empresariado local, com exceções à regra, evidentemente, arrefece o ânimo da classe para o investimento em inovações.

Amiúde, os governantes são responsáveis pelo clientelismo em favor de uma casta pseudo-empresarial. Ao contrário da inspiração teórica de Schumpeter, onde o processo de formação bruta do capital é promovido por empresários inovadores financiados pelo crédito bancário, em Roraima as únicas inovações presenciadas são quanto aos métodos de participação nos processos licitatórios. Não há inovação nem investimentos autônomos, muito menos induzidos, defeso casos isolados que não obedecem à regra geral, com registro para a agroindústria do arroz e o sub-setor de comércio.

Na mensagem do Projeto de Lei nº 062/99, que trata do Plano Plurianual do Estado para o período 2000-2003, o então governador Neudo Campos também apresenta a face crítica da razão governante:

“Roraima acumulou, na condição de Território Federal, problemas decorrentes da adoção de modelos de desenvolvimento que, em geral, não levavam em consideração as peculiaridades da organização de seu espaço, a diversidade e as potencialidades de sua base de recursos, nem a sua identidade cultural, provocando uma instabilidade social crescente representada nos conflitos pela ocupação do espaço rural entre diferentes grupos e categorias sociais”.

Breve análise do Produto Interno Bruto

Os indicadores de crescimento do PIB roraimense entre 1990 e 2000 não estão baseados, necessariamente, num aumento da produção, mas sim em decorrência da forte atuação do Governo Federal, seja como investidor direto, ao incrementar a formação bruta do capital fixo, seja como investidor indireto, ao financiar linhas de crédito para o investimento privado nos setores Primário, Secundário e Terciário, e ainda como realizador de despesas governamentais em bens e serviços públicos e no pagamento de salários. Tem-se, portanto, a importância da União na estruturação do setor produtivo local.

Neste período o PIB de Roraima cresceu a uma taxa média geométrica anual de 1,03%, contra 2,88% do PIB nacional, e 1,91% da região Norte.

Composição do PIB: 1995-2000. Elaboração: Assis Cabral

A ilustração ao lado demonstra como a economia roraimense é fortemente baseada no comércio e nos serviços. Em poucas palavras, Roraima é um estado eminentemente consumidor, importando cerca de 90% de suas necessidades, desde bens de capital até bens de consumo perecíveis. Uma alternativa para dinamizar o setor Secundário seria integrá-lo ao Primário, a exemplo do que já acontece com a agroindústria do arroz. As potencialidades de viabilidade desta proposta já existem. Basta tomarmos como exemplo os nascituros pólos moveleiro, oleiro-cerâmico e o embrionário metalúrgico, que podem ser vitalizados a partir do modelo de substituição de importações, tão bem conhecido dos brasileiros.

Por hora este breve perfil de Roraima fica por aqui, com a dívida de atualizarmos dados e cenários. Aqui ainda não abordamos a questão da imigração venezuelana, nem a escalada da violência que assola todo o Estado.

 

[1] A primeira denominação foi Território Federal do Rio Branco, com a posterior mudança do nome para Território Federal de Roraima.

[2] Especialista em aprisionar índios.

[3] Aldeamento de indígena. Relativo a “domesticação” pelos missionários católicos.

[4] Santo Antônio, Conceição e Boa Vista no rio Uraricoera, segundo AMBTEC: 1994, p.29.

[5] Aimberê de Freitas (1996, p.92) afirma que “A Fazenda São José, às margens do rio Tacutu, foi formada pelo Tenente José Antônio Évora em 1794. Surgiu em 1799 a Fazenda São Marcos (…)”.

[6] “Roraima teve suas fronteiras internacionais demarcadas somente entre os anos de 1930 e 1939, pela Primeira Divisão de Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, dos Serviços de Fronteiras do então Ministério do Exterior, chefiada por Braz Dias de Aguiar. Essa Comissão foi criada em 30 de abril de 1930 para intensificar o serviço de demarcação das fronteias, e seus trabalhos foram encerrados em 19 de janeiro de 1939, com as linhas de limites do Brasil com a Venezuela e com a Guiana correndo, em grande extensão, pela divisória das bacias dos rios Amazonas e Orinoco, em terrenos do Sistema Parima” (AMBTEC: 1994, p.31).

[7] Tal constatação extraída de documentos históricos nos sugere que já nesta etapa inicial do processo de formação política e econômica da Amazônia – e em especial no que diz respeito ao Vale do Rio Branco – surge uma problemática contemporânea que atinge em cheio o atual Estado de Roraima, sob todos os aspectos de sua existência, embora negligenciado quanto à posição na escala de prioridades governamentais. Nos referimos à questão indígena, tema este que abordaremos adiante em tópico específico.

[8] Os “salários” compreendiam objetos sem valor monetário mas de interesse por parte dos índios. Em troca eram instruídos em técnicas de salga, coleta de ovos de tartarugas, drogas do sertão e cultivo agrícola, ou seja, tudo o que pudesse gerar retorno comercial aos portugueses.

[9] AMBTEC: 1994, p.30.

[10] FREITAS, Luiz Aimberê Soares de – Estudos Sociais de Roraima (Geografia e História) apud www.roraima.8m.com/história.html.

[11] Hoje município de Mucajaí

[12] Município do Cantá

[13] Hoje colônia do Taiano

[14] A pavimentação asfáltica, todavia, só seria concluída décadas mais tarde.

[15] Os chamados petrodólares.

[16] Com maior ênfase entre 1987 e 1989

[17] Economia baseada no emprego direto da mão-de-obra pelo poder público.

[18] Pereniza-se a antiga prática da ação governamental por demandas, sem planejamento estratégico, invariavelmente voltada ao populismo do modelo caudilhista.

[19] Teve desempenho sofrível. Apenas sua esposa, Suely Campos, foi eleita para a Câmara Federal.

[20] Nas palavras de Haroldo Amoras dos Santos, o vetor da formação bruta de capital é a mão visível do Estado.

[21] (1883-1950) Economista norte-americano de origem austríaca, autor da teoria dos ciclos econômicos no modelo capitalista.