O brasileiro já não gosta tanto de futebol como antes, ou a sociedade tem amadurecido e passado a ver este esporte apenas como mais uma opção de diversão popular? Seja qual for a resposta, tenho percebido que a Copa do Mundo de Futebol da Rússia não tem empolgado como em outros tempos, quando o ano já começava em contagem regressiva e o assunto dominante era o escrete canarinho. Alguém lembra qual o hino da Copa 2018? E da Copa 2014? Lembramos dos 90 milhões em ação… Do Dá-lhe, dá-lhe bola/ Meu canarinho vai deixar a gaiola/ Vai pra Espanha…
Teria o 7×1 da Alemanha desiludido o torcedor? Pelo fato de ser um ano eleitoral, estaríamos com a atenção mais voltada para a política do que para o futebol? Uma consulta ao oráculo nos revelou uma realidade mais complexa.
A nossa introspecção começa com o aspecto político. Em 1958, ano do primeiro campeonato, na Suécia, vivíamos os anos dourados, 50 anos em cinco. Juscelino era o presidente Bossa Nova, e o futebol compunha o glamour do momento. Em 1962 o Brasil voltou a ser campeão mundial no embalo da Copa anterior.
Em 1970, o ano do Tri, vivíamos sob a ditadura militar. O presidente general era fã de futebol e o radicalismo e intransigência do então treinador da Seleção, João Saldanha, contribuiu para que fosse substituído no comando da equipe ao não aceitar a opinião de Médici em escalar Dadá Maravilha. A vitória foi usada como instrumento de propaganda e aceitação do regime. Era o Brasil que vai pra frente. Somado a outros fatores, tal fórmula propagandística foi perdendo eficiência.
Até a década de 80 do século passado os escalados para a seleção brasileira jogavam no país. Eram os craques dos times que disputavam as partidas do domingo à tarde, as decisões dos campeonatos estaduais, regionais e do campeonato brasileiro. Nós sabíamos das suas vidas, a torcida ia vê-los nos estádios e às vezes encontravam-nos nos botecos, nas boates, nas discotecas. Havia uma empatia entre jogador e torcedor. Hoje os selecionados são virtuais, na grande maioria: só os vemos na televisão. Jogam em times da europa, China e até do mundo árabe. São, literalmente, personagens de videogame. Isso acaba transparecendo ao torcedor que não há mais amor à camisa, o futebol transformou-se em mero instrumento de ascensão socioeconômica dos atletas e enriquecimento dos cartolas.
Com a transformação do futebol em mero comércio, deixamos o posto de primeiro mundo do futebol e nos limitamos a simples colônia, que exporta a matéria-prima para agregação de valor no exterior. Hoje quando um garoto se destaca, minimamente que seja, em um dos “grandes” times nacionais, logo é vendido para o estrangeiro, em transações milionárias, relegando-nos a campeonatos medíocres, com refugos ou ex-craques em vias de aposentadoria.
Jogadores disciplinados, que treinam e jogam conforme os manuais em seus times no exterior, desempenham-se como amadores mimados na seleção brasileira. Acostumados a decisões importantes nos campeonatos europeus e asiáticos, são acometidos de nervosismo e emotividade que os levam aos prantos e errar passes, faltas e até pênaltis em copas do mundo. Um atleta que seria o melhor jogador do Brasil em campo, no seu time comporta-se com desempenho satisfatório, conseguindo manter-se de pé nas partidas. Mas com a camisa canarinho sofre de cai-cai, comporta-se como moleque de futebol de várzea e debocha de adversários, companheiros e da torcida.
A estreia medíocre na Copa da Rússia, sob alegação do fator psicológico, aliado a erros de arbitragem, demonstra o que dizemos. Numa decisão de pelada entre times de bairro vemos mais garra do que (não) vimos entre Brasil e Suíça. Rezemos, então, para que o trabalho do psicólogo da Seleção tenha resultado e a arbitragem seja impecável, nos próximos jogos. Vamos ver quais serão as novas desculpas.
Um terceiro fator combinado com os dois anteriores é, justamente, a corrupção. E neste sentido a própria Copa 2014, no Brasil, é causa de desvanecimento do futebol na preferência popular. Hoje sabemos que houve uma cadeia de malversação envolvendo dirigentes da CBF, FIFA, representantes de federações e confederações, governos estaduais e governo federal. No final, o erário foi lesado com desvios e investimentos em estádio e vila olímpica que hoje estão abandonados ou, no mínimo, subutilizados.
Enfim, se tem uma coisa que o Brasileiro não é, é ingênuo. Há um ou outro, perdido no caldeirão, mas a esmagadora maioria de nós sabe muito bem como as coisas acontecem – ou ao menos tem uma ideia bem próxima – nos bastidores do esporte ainda mais popular do Brasil, que já foi, há muito tempo atrás, o País do Futebol.