Brasileiros e venezuelanos são autores e vítimas da violência em Roraima. O crime organizado se consolida. Ausência do Estado é a principal causa

Venezuelanos acampados na Praça Simão Bolívar, em frente à Rodoviária Internacional de Boa Vista

Ontem um amigo de Manaus me repassou matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, datada de 05 de janeiro de 2018, autoria de Marco Antônio Carvalho, enviado especial, sob o título “PCC recruta venezuelanos em prisão de Roraima e amplia frente internacional”[1]. O repórter desenha um quadro que nós, boa-vistenses, temos vivenciado no dia-a-dia: a cidade completamente tomada por venezuelanos. Tal fenômeno não se resume apenas à capital, mas a todo o interior do Estado, com o agravamento do quadro de violência, que já vinha em curva ascendente sem a colaboração internacional. Os brasileiros não guardam o privilégio de serem as únicas vítimas. Os próprios irmãos venezuelanos têm procurado as autoridades de segurança pública pedindo providências contra seus patrícios criminosos.

Hoje à noite, 19 de março de 2018, um telejornal local[2] veiculou matéria em que refugiados venezuelanos acampados na Praça Simão Bolívar, em frente à Rodoviária Internacional de Boa Vista, pedem às autoridades maior policiamento ostensivo, pois estão ocorrendo roubos de eletroeletrônicos e bicicletas no local, e os ladrões são… venezuelanos! Em resposta a autoridade policial disse, em outras palavras, que já realiza o policiamento naquela área e não pode realizar buscas dos objetos roubados nas barracas porque são consideradas domicílios e, portanto, invioláveis; apenas em caso de flagrante delito ou mediante mandado judicial. Senti na alma a frustração dos reclamantes: vai ficar por isso mesmo! – a realidade cotidiana dos brasileiros.

Enquanto redijo este artigo, recebo o link de um post no Facebook dando conta dum incidente ocorrido na Bola do Trevo, onde se localiza a Praça Simão Bolívar. Um caminhoneiro se desentendeu com um venezuelano. Os ânimos se exaltaram. O caminhoneiro partiu pra cima do imigrante. Os companheiros se solidarizaram e dezenas deles acuaram o motorista. Os chapas acudiram o caminhoneiro. Agressões de ambos os lados. A polícia chegou ao local, reteve os venezuelanos, mas logo os liberou. Aplausos! E os brasileiros com cara de tacho.

No município de Mucajaí, a cerca de 50 quilômetros da capital, um brasileiro e um venezuelano foram assassinados a golpes de faca, ao que tudo indica, por venezuelanos durante uma briga generalizada ocorrida em um bar, ao amanhecer do domingo, dia 18. Em represália pela morte do brasileiro, no final da tarde de segunda-feira, 19, membros da comunidade invadiram um prédio público abandonado onde se abrigavam várias famílias de imigrantes, expulsaram os moradores e atearam fogo em suas roupas e pertences. A comunidade interditou a BR-174, rodovia que liga Pacaraima, fronteira com a Venezuela, a Manaus, no Estado do Amazonas. O fato foi divulgado em redes sociais e na imprensa local. [3] [4]

Um vídeo tem circulado na imprensa e em redes sociais em que um venezuelano identificado como Ramon Jesus Lopes Acosta, vulgo “Pista Loka”, ameaça com granada policias federais, e se diz integrante do Primeiro Comando da Capital. O meliante teria sido preso e recolhido à Penitenciária Agrícola de Monte Cristo acusado de tráfico de armas. Segundo informações, mesmo preso, ele estaria intermediando o ingresso de armas no Brasil em favor do crime organizado.

Desde o início dessa imigração desordenada e sem limites se anunciava tal estágio de violência, com a tendência irreversível de agravamento. Irreversível porque o brasileiro comum, homem do povo, é fraco. É fraco porque as instituições são fracas, sem autonomia, acorrentadas a uma Constituição mal interpretada, lastreada, por sua vez, no Título II, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos -, com destaque para o art. 5o, cujo caput estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. E aí vêm os incisos, numa leva de garantias intermináveis, conforme as interpretações extensivas dos jurisconsultos.

Esta é a Constituição formal, escrita não em contraposição à de 67, mas aos Atos Institucionais, que davam ao presidente da República poder supraconstitucional. O que se pretendeu com a CF/88 foi neutralizar uma eventual retomada do autoritarismo, naquele momento de transição para a democracia, “blindando” o indivíduo contra ações arbitrárias do Estado. Mas no longo prazo resultou numa interpretação que enseja e ineficácia das autoridades constituídas no combate ao crime organizado, instituição supraestatal que tem suas próprias regras de conduta e meios eficazes no que se propõem, completamente alheios à formalidade da Carta de 88. Nenhum bandido consulta a Constituição Federal para delimitar suas ações e diretrizes.

E quando me refiro a crime organizado não me resumo ao PCC, ao Comando Vermelho, aos Amigos dos Amigos, etc. Refiro-me a todas as modalidades de crime organizado, inclusive ao que se reúne da Câmara Federal, no Senado, nos palácios, nas assembleias legislativas, câmaras e prefeituras municipais. Diante do que temos visto desde o Mensalão até à Lava-Jato, alguém tem dúvida de que se trata de crime organizado do mais alto padrão? E alimentado pelo voto direto, tão almejado pelos defensores da democracia durante o período de exceção.

Ocorre que muitos daqueles que hoje se dizem defensores do modelo democrático e perseguidos pela ditadura militar, na verdade queriam substituir os militares pela “ditadura do proletariado”, que se resumia ao politiburo, a exemplo das experiências soviética, chinesa, cubana e bolivariana, e como terminou ocorrendo no governo do PT, quando se formou uma “panelinha” da alta cúpula do partido, a qual se aliou às velhas sanguessugas que vinham ordenhando o sangue dos brasileiros desde sempre.

Em suma: os governos militares resumiram-se à repressão aos “contrarrevolucionários”, relegando o combate ao crime organizado a segundo plano, com vários dos seus agentes integrando organizações criminosas, como o delegado Fleury e o Capitão Ailton Guimarães Jorge. Nos presídios, juntou os presos políticos aos bandidos “comuns”. Aqueles repassaram a estes a base doutrinária e o treinamento recebidos na União Soviética, China, Tchecoslováquia e Cuba: para o revolucionário os fins justificam os meios, as táticas de guerrilha rural e urbana, a infiltração na política e nas instituições do staff estatal. A monetização do movimento revolucionário.

Com a ascensão da esquerda houve uma informal divisão de interesses – não sei se tão informal assim. Quem é carioca, viveu e ainda lembra-se do governo Brizola sabe muito bem do que estou falando: a necessidade de permissão para o Estado subir o morro. A ausência desse Estado nas comunidades, entregues às suas próprias “lideranças comunitárias”.

Até os nossos dias o Estado brasileiro, não posso afirmar se consciente ou inconscientemente, facilita o surgimento e as ações expansionistas do crime no País. A parcimônia dos governos em combater as organizações desde a base de comando com a edificação da  infraestrutura logística capaz de atuar eficazmente na repressão, a inovação do ordenamento jurídico-penal possibilitando a punição adequada, com a execução legal dos seus líderes e cérebros, eliminando de vez a cultura e expectativa da impunidade. Ou seja, a alegada falta de recursos para a elaboração e execução de um planejamento estratégico na área de segurança, relegando a ação do Estado a ações pontuais, efetuadas por demandas, custam muito mais caro do que um plano tático e execução operacional que teriam saldo positivo na relação custo-benefício. A malfadada intervenção no Rio de Janeiro, em que o Exército está sendo ridicularizado, é exemplo da “política da segurança nacional” para a qual se criou um ministério.

Segundo estimativa publicada em matéria veiculada pela revista Exame seriam necessários 5 bilhões de reais para se elaborar e executar uma política de segurança pública nacional eficiente e eficaz. Só para a intervenção do Rio serão destinados, segundo o Planalto, um bilhão de reais.

Em Roraima o problema da imigração venezuelana já dura há mais de ano, com consequências inestimáveis para o Estado e para o Brasil. E não vai parar por aí. Não há planejamento das ações. Só se fala em cifras, o que é muito conveniente em ano de campanha eleitoral.

[1] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,em-nova-ofensiva-pcc-recruta-venezuelanos-em-prisao-de-roraima,70002138829

[2] Jornal de Roraima, produzido pela TV Roraima, afiliada à Rede Amazônica de Televisão.

[3] https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/moradores-ateiam-fogo-em-objetos-e-expulsam-venezuelanos-de-predio-em-cidade-no-interior-de-rr.ghtml

[4] http://www.folhabv.com.br/noticia/Duas-pessoas-morrem-apos-briga-generalizada/37883

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