A população do Estado de Roraima, sobretudo da capital, Boa Vista, está alarmada com os últimos registros de violência protagonizados por imigrantes venezuelanos. Na madrugada do dia 29 de julho foi preso Kevin Braden M. Serrano, venezuelano de 34 anos, depois que agrediu, física e verbalmente, porteiros e médicas da Maternidade Nossa Senhora de Nazaré. Na madrugada de domingo pra segunda, 30 de julho, um casal de venezuelanos, com o apoio de – pelo menos – 15 outros imigrantes, agrediram e feriram militares do Exército, quando tentaram entrar em um abrigo fora do horário de tolerância, sem apresentar os documentos exigidos. Ainda na noite da segunda-feira, 30 de julho, a Polícia Federal prendeu em Pacaraima, fronteira com a Venezuela, dois cubanos e dois venezuelanos por tentarem ingressar ilegalmente no Brasil.
Nos últimos dias tem circulado nas redes sociais vídeo em que um advogado, identificado como Cleyton Abreu, coordenador da ONG Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados – Boa Vista, instrui e incita imigrantes venezuelanos a invasões de imóveis urbanos.
Na sexta-feira, 27 de julho, a irmã deste autor, que anda de motocicleta, foi cortada por um venezuelano de bicicleta, que não gostou e a perseguiu até em casa, proferindo impropérios, dizendo para ter cuidado, que ela era isto e aquilo… Só foi embora depois que ela, do lado de dentro do portão, jogou-lhe um tijolo. Mas agora ficou o receio de que o elemento volte – com reforços.
Da fato, o momento requer cautela, muita cautela! As discussões nas redes sociais demonstram crescente polarização entre os que se sentem incomodados com o processo imigratório e suas consequências, e os que alegam xenofobia, preconceito e discriminação por parte daqueles. Quisera Deus que as coisas fossem tão simples assim. Não são! Não temos a menor dúvida de que a Venezuela passa por um processo de desmoronamento: econômico, social, político, já assumindo destaque dentre todas as maiores crises mundiais, cuja consequência mais conhecida do roraimense é a verdadeira invasão imigratória que vivenciamos.
Mas este quadro é apenas a ponta do iceberg, a parte à mostra. A parte não exposta é, por um lado, a confirmação repetitiva da falência de todo e qualquer modelo político-econômico socialista, exemplo da Venezuela e Cuba, e a insistência na implantação desse mesmo socialismo aqui no Brasil, como em toda a América Latina, nos moldes apregoados pelo Foro de São Paulo.
Já publicamos aqui uma breve apresentação das teorias de Antonio Gramsci e a sua guerra de posições. Inicialmente a esquerda brasileira, como em todo o mundo, pretendia implantar o regime socialista através da luta armada, tática que se mostrou infrutífera, tanto no Brasil, como também nos demais países que passavam pelo processo de industrialização da economia na Europa ocidental. Na Europa oriental e na China continental a imposição do regime pela luta armada nada teve com a revolução do proletariado, mas com o patrocínio do regime soviético, ele próprio resultado de um levante que em nada teve com a classe proletária, uma vez que no antigo império russo o sistema de produção era semi-feudal, não havendo, portanto, uma burguesia e tampouco classe proletária em 1917. Na China também o modo de produção e as relações sociais eram eminentemente agrários, não havendo, igualmente à Rússia, as classes burguesa e proletária.
A primeira tentativa de tomada do poder pela esquerda brasileira através das armas foi a intentona comunista, em 1935, revelando-se um fiasco em face do amadorismo dos seus protagonistas. Contudo, as ações com vista a fomentar a revolução da classe trabalhadora continuaram, atingindo seu ápice em organização e ocupação de pontos estratégicos entre 1960 e 1964, com forte influência do Partido Comunista Soviético, seja diretamente, seja através de Cuba, e também do Partido Comunista Chinês, que se distanciara do soviético em fins da década de 1940. As ligas camponesas e a Guerrilha do Araguaia são exemplos de iniciativa do PCB – Partido Comunista Brasileiro – na busca pela revolução socialista a partir do campo, como ainda pretende o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Goulart recuperara os poderes presidenciais em janeiro de 1963,
depois de um plebiscito, com 9,5 milhões de votos contra 2 milhões
dados ao parlamentarismo. Tentara um golpe em outubro, solicitando
ao Congresso a decretação do estado de sítio, e vira-se abandonado pela
esquerda, que repeliu a manobra. No mínimo, deporia os governadores
de São Paulo e da Guanabara. No máximo, deporia também o
governador esquerdista Miguel Arraes, de Pernambuco. Seu
“dispositivo” fora tão longe que planejara o seqüestro, por uma tropa
pára-quedista, do governador carioca Carlos Lacerda. Por ordem do
ministro da Guerra, Lacerda seria capturado por uma patrulha, durante
uma visita matutina ao hospital Miguel Couto. Deu tudo errado. O
coronel escalado para a ação pediu ordens escritas. O general
encarregado da operação procurou dois outros oficiais, mas ambos
ficaram na mesma linha. Quando conseguiu um coronel disposto a
fazer o serviço, Lacerda já tinha partido. Desamparado, Jango
submeteu-se à humilhação de retirar o projeto que remetera à Câmara (Gaspari, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 42)
Sua força derivava da máquina da previdência social e das
alianças com a esquerda no controle dos sindicatos. Sua biografia
raquítica fazia dele um dos mais despreparados e primitivos
governantes da história nacional. Seus prazeres estavam na trama
política e em pernas, de cavalos ou de coristas. Tinha 15 mil hectares
de terra em São Borja e um rebanho de 65 mil animais. Movia-se no
poder por meio daqueles sistemas de recompensas e proveitos que
fazem a fama dos estancieiros astuciosos. Introvertido e tolerante, era
um homem sem inimigos. Os ódios que despertou vieram todos da
política, nunca da pessoa. Sua presença no palácio do Planalto era um
absurdo eleitoral a serviço de um imperativo constitucional. Em 1960,
5,6 milhões de brasileiros haviam votado em Jânio Quadros, um
demagogo que fizera a campanha eleitoral usando a vassoura como
símbolo. Jânio prometera varrer a ordem política de que Jango era
produto. Pela Constituição de 1946, a escolha do presidente e a de seu
vice não estavam vinculadas. Assim, elegeram-se ao mesmo tempo
Jânio, com sua vassoura, e Jango, que, a juízo dos seguidores do novo
presidente, encarnava o lixo a ser varrido (idem, p. 41-2).
Em plena Guerra Fria, o Brasil precisava definir a sua opção na polaridade União Soviética socialista versus Estados Unidos capitalista. Apesar da relação tumultuada entre Goulart e Brizola, e entre ambos com a esquerda, havia como ponto de convergência a hegemonia do poder com um Estado forte, provedor, assumindo o controle dos meio de produção, o que criava relação simbiótica entre o governo e a esquerda, que estava com o bote armado, tendo Brizola como um dos arquitetos. Mas veio o contra-golpe dos militares.
Havia dois golpes em marcha. O de Jango viria amparado no
“dispositivo militar” e nas bases sindicais, que cairiam sobre o
Congresso, obrigando-o a aprovar um pacote de reformas e a mudança
das regras do jogo da sucessão presidencial. Na segunda semana de
março, depois de uma rodada de reuniões no Rio de Janeiro, o
governador Miguel Arraes, de Pernambuco, tomou o avião para o Recife
avisando a um amigo que o levara ao aeroporto: “Volto certo de que um
golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei”.
O ex-governador gaúcho Leonel Brizola achava que viria de cá, do
presidente, seu cunhado. Veterano militante do varguismo, saíra de
uma infância pobre e, formado engenheiro, casara-se em 1950 com a
irmã de Jango. Tivera Getúlio como padrinho. Devia muito de sua
carreira ao presidente, mas o cunhado devia à sua tenacidade o levante
das forças civis que lhe permitiram assumir a Presidência, durante a
crise de 1961. Fazia tempo que Brizola repetia: “Se não dermos o golpe,
eles o darão contra nós”.
No dia 29 de março, num artigo intitulado “Em colapso o sistema
militar anti-Goulart”, Carlos Castello Branco, o mais respeitado
colunista político do país, escrevera: “A impressão das correntes
oposicionistas […] é a de que, se não ocorrer um milagre, nos próximos
dias, se não nas próximas horas, o Sr. João Goulart, ainda que não o
queira, cobrirá os objetivos que lhe são atribuídos de implantar no país
um novo tipo de República […]”.
Se o golpe de Jango se destinava a mantê-lo no poder, o outro
destinava-se a pô-lo para fora. A árvore do regime estava caindo,
tratava-se de empurrá-la para a direita ou para a esquerda (idem, pp. 45-6).
Os militares deveriam ficar um curto período, suficiente para colocar ordem na casa e entregar para o próximo presidente civil eleito pelo voto popular, provavelmente Juscelino Kubitschek. Mas foram incitados pela esquerda a permanecer, e assim ficaram até Tancredo/Sarney – 1985. A partir de 1967 a repressão foi dura e violenta, desarticulando os grupos armados, com a prisão e morte de vários dos seus líderes, inclusive Carlos Lamarca e Marighella. Em meados da década de 1970 já não havia mais focos da guerrilha.
O porão respondeu à crise da esquerda armada transformando-se em
seu empresário. A máquina montada pelos generais atacava duas
frentes: numa, o que restava do inimigo. Na outra, combatia quem dizia
que desse inimigo restava pouco. Assim como à esquerda se
desenvolvera a idéia segundo a qual o dever do revolucionário era fazer
a revolução, criou-se à direita o entendimento de que os revolucionários
de 1964 tinham o dever de erradicar o terrorismo, a subversão e até
mesmo aquilo que denominavam (sem terem conseguido jamais definir)
de “contestação ao regime” (Gaspari, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 191)Nos últimos meses de 1970, um ano depois da morte de Marighella, a
esquerda armada, que Luiz Carlos Prestes chamara de “sarna do
revolucionarismo pequeno-burguês” estava dividida em três
populações. Na maior delas achavam-se os presos. Eram cerca de
quinhentos: alguns, condenados a penas curtas, podiam sonhar com a
hora da libertação; outros, com sentenças do tamanho de suas vidas,
torciam por novos seqüestros. A segunda população, em torno de
duzentas pessoas, era a dos exilados que continuavam militando
ativamente nas organizações armadas. Nela estava boa parte dos
veteranos de ações terroristas, os principais combatentes e quadros
teóricos, quase todos trocados nos seqüestros. Formavam uma tropa
imaginária que desembarcaria no Brasil com experiência, treinamento e
recursos suficientes para retomar a ofensiva. Espalhavam-se pelo
Chile, Cuba, Argélia e França. O terceiro grupo era o dos combatentes
que viviam clandestinamente no Brasil. Nas cidades, mal passavam de
cem. Viviam espremidos entre a idéia do exílio e a do “desbunde”. Esse
termo, que designara a passagem da militância esquerdista para o
mundo de sonhos da marginália cultural, confundia-se com um salto
em direção a uma condenada opção pela individualidade (idem, p. 343).
Com efeito, membros da VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, em 7 de dezembro de 1970, sequestraram o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, matando o agente federal que o escoltava. Como resgate, “setenta presos, com três outras exigências: a divulgação de uma catilinária, o congelamento geral de preços por noventa dias e roletas livres nas estações de trem do Rio de Janeiro” (idem, p. 345). O impacto não foi o mesmo dos sequestros anteriores:
Durante os catorze meses que separaram o seqüestro de Elbrick
do de Bucher desenvolvera-se internacionalmente uma cultura policial
relacionada com a segurança dos diplomatas, a negociação de resgates
e a invasão de aparelhos. Os serviços de segurança brasileiros
perceberam a precariedade das ações anteriores. Os interrogatórios dos
seqüestradores capturados permitiram uma melhor compreensão das
tensões suportadas pelos terroristas durante o difícil período das
negociações. O presidente Medici perdera o sono nos seqüestros
anteriores, mas quando lhe contaram que mais um embaixador havia
sido capturado, avisara que não queria mais ser aborrecido com o
assunto (idem, p. 347).
Resultado: entre idas e vindas, Carlos Lamarca, o Paulista, decidira por aceitar as restrições impostas pelos militares e, na qualidade de comandante-em-chefe da VAR, vetou a decisão coletiva de execução do embaixador suíço. Da lista inicial, “31 nomes foram substituídos numa demorada negociação durante a qual quatro outros foram rejeitados. Um mês depois da captura de Bucher, conseguiu-se finalmente fechar uma lista com setenta nomes, e no dia 13 de janeiro de 1971 os presos foram embarcados com destino ao Chile. Terminara o ciclo dos seqüestros” (idem, p. 348). A tática da tomada do poder pela luta armada fracassara, culminando com a morte do próprio Lamarca.
Veja bem, leitor: a tática da luta armada fracassou, mas a estratégia do poder permaneceu. A própria repressão, os “porões da ditadura”, contribuíram para a consecução deste objetivo, na medida em que, ao tomar conhecimento das torturas e assassinatos, a população brasileira, em especial a classe média e o empresariado – que financiou o combate ao terrorismo -, assim como a opinião pública internacional, passaram a criticar e antagonizar o regime. Desta forma, os segmentos que apenas queriam liberdade de expressão e poder escolher livremente os seus governantes pelo voto direto, engrossaram a oposição formada pelos que pretendiam implantar no Brasil um Estado totalitário de esquerda.
Desta feita, a partir dos instrumentos de que dispunha: os intelectuais orgânicos que compunham a classe docente, os meios de produção cultural e a imprensa, a esquerda reinfiltrou-se, pouco a pouco, no estamento burocrático, substituindo o discurso da luta revolucionária por luta pela democracia, pelo estado democrático de direito, o que foi bem mais palatável para o amálgama social conservador tupiniquim.
A derrota dos militares foi certa, seja pelo exaurimento do modelo político-econômico, corroborado pelos resultados catastróficos das crises internacionais do petróleo, seja em face das contradições internas entre os generais, entre os tecnocratas, e entre estes e aqueles: o regime implodiu e o efeito colateral mais eminente foi a “abertura lenta e gradual”, com marco na Lei da Anistia – Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979 -, que permitiu guerrilheiros veteranos exilados voltarem nos braços dos seus, embalados pelo belíssimo conjunto música e letra de João Bosco e Aldir Blanc, com magistral interpretação de Elis Regina. A população adulta desinformada não tinha consciência, e os jovens não tinham conhecimento, do que representava o retorno daqueles seres mitológicos: o triunfo da esquerda.
Os militantes voltaram com força total, sob o glamour da imprensa nacional, composta organicamente por comunistas ou ex-comunistas. Nesta última categoria estava Paulo Francis, com o personagem controverso que criara para a mídia televisiva.
Já nas eleições de 1882, as primeiras depois da anistia, a oposição (PTB, PDT, PMDB e PT) conquistou 244 cadeiras para a Câmara Federal, e o PDS, situação, ficou com as 235 restantes. Para o Senado, a oposição conquistou 18 das cadeiras disponíveis, ficando as 15 restantes para o PDS. Vale ressaltar a situação de Rondônia, território federal recém transformado em estado, que dispôs de 3 cadeiras, ao invés de apenas uma, como as demais unidades federativas. Em Rondônia os três senadores eleitos foram do PDS. Já em 1983 começou o movimento para as Diretas Já. Das 23 unidades federativas em que ocorreram eleições para governador – Rondônia ficou de fora – 12 ficaram com o PDS, mas os eleitos, desde o início, buscaram distanciar-se do regime moribundo.
A Assembleia Nacional Consitutinte
Nas eleições gerais de 1986, ainda com o voto indireto para presidente, Tancredo Neves, ministro de Getúlio Vargas e primeiro-ministro de João Goulart, foi eleito – a história todo mundo sabe: morreu antes de tomar posse e o mandato foi cumprido pelo seu vice, José Sarney, que fora presidente nacional da ARENA – Aliança Renovadora Nacional, em 1979, no ano seguinte rebatizada de PDS – Partido Democrático Social.
O governo civil foi a primeira oportunidade para se reerguer antiga bandeira: a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A discussão inicial foi quanto a se convocar uma constituinte exclusiva, ou se o parlamento eleito em 15 de novembro de 1986 acumularia as funções de legislador ordinário e legislador constituinte. Os defensores da primeira opção argumentavam que a acumulação de função seria legislar em causa própria. Os da segunda sustentavam que duas eleições, uma para o Congresso e outra para a Constituinte, seria dispendioso demais para a Nação. Venceu a segunda tese e, em face da Emenda Constitucional n. 26 de 17 de novembro de 1985, a ANC foi instalada em fevereiro de 1987. O deputado Ulysses Guimarães, líder da oposição, presidiu a Assembleia Nacional e a Câmara Federal, no período.
Cabe aqui abrir um parêntese para referência ao senador Fábio Lucena – PMDB do Amazonas. Ele compunha os dois terços do Senado que não seriam renovados nas eleições de 1986. Mas discordava que parlamentares não eleitos em 86 participassem da Assembleia Nacional Constituinte – era favorável que a ANC fosse exclusiva, dissolvendo-se após a promulgação da Carta. Assim sendo, renunciou ao mandato de 1982, sendo novamente eleito em 1986. Contudo, em 14 de junho de 1987 suicida-se no apartamento funcional em que morava, em Brasília.
À época dos trabalhos da Constituinte (1987-1988) havia um justo receio de retrocesso político com a retomada do poder pelos militares. Este foi o fator comum entre os constituintes da esquerda e da direita, enriquecendo o texto com dispositivos que asseguram amplos direitos e garantias individuais e coletivos, blindando não só a atividade parlamentar, mas também a própria figura de quem exerce tal atividade, assim como, ampliando sobremaneira os poderes do Congresso. Neste sentido, foi recorrente a discussão quanto à forma e ao sistema de governo. Quanto à forma havia duas propostas: república e monarquia. Quanto ao sistema: parlamentarismo e presidencialismo. A forma monárquica seria parlamentarista. Na discussão quanto ao sistema de governo houve as propostas do parlamentarismo misto e a do presidencialismo misto. No frigir dos ovos venceu a república presidencialista mista – oficialmente, presidencialismo de coalizão -, ratificada por plebiscito em 1993. Posteriormente apresentaremos novo post especificamente sobre os trabalhos da ANC.
Em termos partidários, a esquerda era em menor número, mas o PMDB, que elegeu o maior número de constituintes, estava longe da homogeneidade. Havia a ala da direito, do centro e da esquerda – esta viria a cindir e formar o PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira. Desta forma, apesar de ser minoria quantitativa, a esquerda passou a maioria qualitativa, através de uma série de manobras, as quais serão mais detalhadas em outro artigo específico, como já salientamos. Vamos nos limitar, como exemplo, ao direito de propriedade privada, que foi limitado na Carta de 88, pegando emprestado duas postagens, na íntegra, do advogado Wilson Précoma, com sua autorização, publicadas em rede social, por ocasião da polêmica gerada pelo vídeo em que o advogado Cleyton Abreu, do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, ligado à Igreja Católica, incita e instrui venezuelanos na invasão de imóveis em Boa Vista, como já referido acima:
XENOFOBISMO À PARTE, O PROCESSO IMIGRATÓRIO EXISTENTE EM RORAIMA GERA MUDANÇAS E ESTÁ MUDANÇAS VÊM EM BENEFÍCIOS DOS POBRES NATIVOS QUE DESAPRENDEREM A LUTAR POR DIGNIDADE.
Estão ocorrendo inúmeras manifestações desproporcionadas, bem como xenóficas na mídia local e nas redes sociais acercas de incidentes ocasionados por interações pontuais de imigrantes venezuelanos, nas quais tem resultado em confrontos com alguma gravidade contra os aparelhos do Estado. Se destacando alguns afrontos proporcionados pelos venezuelanos contra a forma de atendimento em hospitais, escolas e órgãos públicos de um modo geral. Mas deixando de lado o xenofobismo próprio em situações análogas como esta, o que está de fato ocorrendo na sociedade roraimense é o confronto de valores e a reacomodação de costumes secularmente arraigados na mesma, que, até a chegada dos imigrantes venezuelanos, tinha como estabelecido ‘como normal’ algumas regras intocáveis de imposições culturais, sociais, econômicas e políticas que estão sendo, gradativamente, confrontadas com o novo contingente populacional que chegou, pelo fato de que estes novos brasileiros não sofreram o processo de subordinação cultural, social, econômica e política que passamos nos últimos quinhentos anos, daí os inevitáveis confrontos com atendimentos em hospitais, em delegacias e em escolas, confrontos, aliás, que não são contra a população, mas contra à forma injusta praticada pelos setores públicos e privados que governam a sociedade roraimense, no qual o fisiologismo e patrimonialismo faze-nos na sociedade mais desigual do planeta, por isso, que o processo imigratório e os confrontos com à ordem estabelecida pelos atos dos novos brasileiros redundam em benefícios dos pobres nativos que desaprenderam a lutar por dignidade.
OS BRASILEIROS VENEZUELANOS:
A parte ‘in fine’ do ‘caput’ do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, alude quanto à extensão dos direitos nacionais constitucionalmente reconhecidos aos estrangeiros residentes no País, daí advém à necessidade de explicá-los e de socorrer os imigrantes venezuelanos que estão sob o processo de exclusão de direitos e de dignidade por pressupostos xenofóbicos, pelo que vejamos: Em primeiro lugar: os imigrantes venezuelanos quando entram no Brasil e passam pela triagem da Polícia Federal e recebem autorização para ficar no País não são mais imigrantes, pois adquirem direitos no âmbito doméstico (brasileiro) equivalentes aos nacionais, ou seja, passam à condição/qualidade, mesmo que em caráter temporário, de brasileiros, no que concerne, obviamente, à maioria dos direitos concedidos a todos, em decorrência das tratativas internacionais pactuadas que admitiram a Venezuela como Estado membro do Mercosul, do qual o Brasil é parte signatária. Em segundo lugar: o meu texto postado ‘xenofobismo à parte,…’ não faz apologia ao desrespeito ao direito de propriedade, faz, tão só, alusão ao fato de que com a chegada de imigrantes, por assim dizer ‘nacionalizados,’ propicia mudanças de costumes pela tradição cultural que trazem e que a invasão de lotes e de terras não constitui em crime caso estes lotes, casas ou terras rurais não estejam sendo socialmente utilizados por seus proprietários, até porque a nossa Constituição Federal de 1988 alude que a propriedade privada tem por escopo e por fundamento uma vocação/função social imediata, isto é, se presta a atender precipuamente o interesse imediato da pessoa humana de forma horizontal, no que diz respeito à moradia e ao trabalho, posto que a propriedade só é absoluta se não colidir com o interesse social imediato, ou seja, a proposição do missionário católico não contradiz à Constituição da República Federativa do Brasil, (Art. 5°, inciso XXIII), muito pelo contrário, reafirma tal postulado, que na prática remete ao entendimento de que havendo um lote de terra urbano ou rural não utilizado por seu dono é lícito ocupá-lo se dele necessita para fazer frente à moradia familiar ou à produção de meios de subsistência imediata, o que, aliás, não é uma prerrogativa (direito) dos ‘nacionalizados’, mas, também, dos nacionais, que por uma questão de cultura e de opressão do Estado policial, não utilizam este instrumento constitucional para fazerem frente às suas necessidades de moradia e de produção de meio de subsistência, uma vez que a especulação imobiliária (ter imóveis sem qualquer aproveitamento social ou econômico) por si só já se constitui em uma inconstitucionalidade, portanto, tais imóveis se encontram em estado de ilegalidade, passíveis de retomada por terceiros para o cumprimento social a que se destina, constitucionalmente, a propriedade privada.
Devo dizer que, infelizmente, concordo com a interpretação do experiente advogado, porque foi este sentido mesmo que o legislador constitucional originário quiz insculpir no Texto. E há inúmeros outros exemplos, que se fôssemos aqui abordar a todos resultaria em um tratado hermenêutico do texto constitucional. É um conceito “progressista” da propriedade privada. O conceito do “socialmente justo”, “função social da propriedade privada”, na sequência dos incisos XXII e XXIII da Constituição, respectivamente: “é garantido o direito de propriedade”; “a propriedade atenderá a sua função social”. Desta forma, um imóvel não pode ser usado como reserva de valor, para a valorização imobiliária, mesmo que ao seu proprietário tenha custado muito suor e renúncia a outros bens e prazeres. Este é o grande problema do socialismo: compartilhar a riqueza existente, sem a preocupação com a criação de riqueza. Então um venezuelano, que chega como refugiado econômico, instantaneamente, sem jamais ter contribuído com um único centavo em impostos, passa a desfrutar dos mesmos direitos do brasileiro que contribuiu a vida inteira com tributos.
O princípio marxista de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades, demonstra o grave erro desta doutrina, pois as necessidade humanas são ilimitadas, e o ser humano é naturalmente indolente e acostuma-se facilmente com o “gratuito”. Como não existe almoço de graça: tudo tem um preço e alguém paga esse preço, logo, é o contribuinte que arca com a política assistencialista do governo.
A Lei de Migração carrega em seu texto o princípio da solidariedade entre os povos, estampado no art. 3° da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil rege-se em suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (…) II – prevalência dos direitos humanos; IV – não intervenção; V – igualdade entre os Estados; (…) IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político”. Chamamos atenção para o parágrafo único deste art. 3º:
A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Uma comunidade latino-americana de nações, é o que prevê o texto constitucional. É o que pretende também o Foro de São Paulo, criado em 1990, pouco tempo depois da promulgação da “constituição cidadã” – nas palavras de Ulysses Guimarães. Desta feita, receber venezuelanos e cubanos é solidarizar-se com as revoluções bolivariana e cubana. E mais que isto: é trazer para dentro do Brasil tais revoluções, como interpretamos o texto do ilustre jurista acima: “(…) o que está de fato ocorrendo na sociedade roraimense é o confronto de valores e a reacomodação de costumes secularmente arraigados na mesma, que, até a chegada dos imigrantes venezuelanos, tinha (…) estabelecido ‘como normal’ algumas regras intocáveis de imposições culturais, sociais, econômicas e políticas que estão sendo, gradativamente, confrontadas com o novo contingente populacional que chegou, pelo fato de que estes novos brasileiros não sofreram o processo de subordinação cultural, social, econômica e política que passamos nos últimos quinhentos anos, daí os inevitáveis confrontos com atendimentos em hospitais, em delegacias e em escolas, confrontos, aliás, que não são contra a população, mas contra à forma injusta praticada pelos setores públicos e privados que governam a sociedade roraimense, no qual o fisiologismo e patrimonialismo faze-nos na sociedade mais desigual do planeta, por isso, que o processo imigratório e os confrontos com à ordem estabelecida pelos atos dos novos brasileiros redundam em benefícios dos pobres nativos que desaprenderam a lutar por dignidade”.
Ou seja: o processo imigratório está nos trazendo a revolução socialista bolivariana. Não é à toa que a ala “progressista” da Igreja está ostensivamente atuando. Não é à toa que há, sim, o progressivo incentivo à imigração, por parte das instituições brasileiras, culminando com o sancionamento da Lei de Migração em maio de 2017, já em pleno êxodo venezuelano, lei esta que insere no ordenamento jurídico os princípios constitucionais relativos ao estrangeiro. Se não revermos esse ordenamento, em breve iremos ler na nossa Constituição: República Bolivariana do Brasil.