PARADOXO

Havia um barco
chamado saudade,
no qual eu detestava navegar

E um patamar,
plácido recanto de almas
sob as luzes da ribalta
que eu tanto amava

Havia também
uma criatura
do outro lado do céu,
que falava italiano,
tinha olhos azuis
e cabelos cacheados,
da cor do trigo maduro

Eu muito a observava
entre a multidão dos perdidos

E assim foi
por algum tempo,
até que numa noite
nossos olhos se encontraram

E nos maravilhamos muito,
amando-nos profundamente
Todos os dias
sonhávamos juntos,
no vale encantado dos ébrios errantes,
sobre a relva fresca regada
pelo orvalho da manhã,
onde cavalgavam
unicórnios azuis alados

Mas um dia,
numa das manhãs de outuono,
ela não veio comigo
ver o sol nascer,
pois partiu pra guerra
como concubina do general de Mussoline

E eu fiquei
no mundo dos homens,
vagando entre os desfiladeiros,
vivendo das miragens
que se formam no deserto
em que nosso vale se transformou,
naufragando a cada olhar de Carlitos

(Manaus, 18/12/1987)

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