Esta reflexão sobre o papel da religião na minha vida transcende os conceitos formais do termo. Ao contrário, nos desvinculamos dos academicismos teológicos, embora convirjamos, naturalmente, para os questionamentos filosóficos. Mas, afinal, qual a significado da religião na minha vida? Qual o significado de religião na sua vida, leitor? Para você, religião é libertação ou aprisionamento? Consciência ou obediência? Este artigo estava na “geladeira” há mais de ano. Mas agora, nesta sexta-feira santa, resolvi concluí-lo com uma afirmativa: atualmente – e talvez por toda a minha vida – a religião não exerce – e talvez nunca tenha exercido – qualquer papel em minha vida. Nada! A religião é um fato e não posso negar um fato. Um fato que pra mim não tem qualquer significado.
Mas dizer que não acredito na religião formal como um caminho para chegar a Deus, como elemento de religação da criatura ao Criador, não significa que não acredito nesse Criador, ou Deus, como queiram. Nem que desacredite num plano “espiritual”, ou seja, numa dimensão que transcenda o limite da tridimensionalidade a nós perceptível, em que prevaleça a inteligência à materialidade física.
A religião sempre esteve presente na existência humana, correlacionada ao nível de consciência: consciência primitiva, expressão religiosa primitiva – deus Sol, deusa Lua, deus Fogo. Conforme o desenvolvimento da consciência, no sentido de intelecto, associação de informações para a criação de novos conhecimentos, a religião passa a ser mais complexa, com a criação de deuses antropomórficos: Xangô, Iansã, Zeus, Júpiter, Atenas, YHWH – Javé. A rigor, são criações humanas. Os nosso semelhantes irracionais – animais irracionais – não têm divindades. Eles apenas existem, seguem seus instintos, reproduzem e morrem. É a racionalidade que leva o homem a buscar um sentido para a existência, sua origem, sua missão, e o que ocorrerá após o fim da vida em sentido biológico – questões que originaram e dão corpo à Filosofia, o amor ao saber.
Então, vocês percebem que a religião e as divindades são criações da mente humana? Desculpem os crentes, mas eu não acredito em santos, muito menos no poder que um homem, um conselho de anciãos, uma religião, qualquer que seja, tem para interferir no “mundo celestial”, transformando um reles mortal, que viveu entre nós, em qualquer época da humanidade, em santo. Não posso deixar de ver isto como um dos efeitos colaterais da fusão entre o cristianismo judaico com o paganismo greco-romano. No início, os que acreditavam ser Jesus o Messias, o Cristo, formavam apenas mais uma das ceitas do judaísmo, e a perda dessa identidade originária começou com Paulo, quando decidiu levar a Boa Nova para os gentios, sobretudo quando chegou à Europa. O tiro de misericórdia foi dado pelo imperador Teodósio, em 380 d.C, com o edito de Tessalônica, transformando o cristianismo na religião oficial de Roma.
O meu amigo Jorge Dias diz que eu não acredito em nada. Infelizmente eu não acredito em N. S.ª de Nazaré ou em São Jorge. Acredito em Jesus, que ele teve uma mãe chamada Maria. Mas isto como fato histórico. Acredito também na mensagem de Jesus. Não acredito nos milagres, nas dimensões em que são apresentados nos evangelhos. Não acredito na ressurreição carnal. Mas tenho dúvida de que ele tenha, de fato, morrido na cruz. Pode ter entrado em estado cataplético, pois cresceu no Egito e lá pode ter adquirido profundos conhecimentos de instrumentalização orgânica. Ou, pra ser menos místico, que ele tenha sido açoitado e banido do Estado Judeu. Talvez apedrejado. A bem da verdade não tenho fundamento para uma opinião formada a respeito do fim carnal de Jesus. Mas a morte na cruz, durante o império romano, não era novidade nem exceção, mas se aplicava em casos de lesa-pátria, o seja, quando o condenado representava ameaça ao Estado romano, como na revolta liderada por Spartacus, quando milhares de gladiadores revoltosos, e derrotados, foram crucificados ao longo da Via Apia, de um lado e de outro, para servir de exemplo. Mas se daqui a pouco ficar provado que Jesus era casado, ou amante, de Madalena, com quem teve filhos e deixou descendência, em nada minha fé nele estará abalada, pois acredito na mensagem, sob o aspecto filosófico e não religioso.
Nesta altura o leitor já deve ter presumido, acertadamente, que eu não acredito na concepção imaculada, o que é o maior dos absurdos da tradição cristã! Que a tradição, pra chamar a atenção e dar um conteúdo de divindade, tenha incutido a morte na cruz e os milagres, eu entendo. Mas a concepção imaculada? E o pior: mesmo depois do nascimento de Jesus, Maria permaneceu virgem! Isto não tem nenhuma sustentação no contexto bíblico. Este é um ponto que acredito ter sido adulterado dos originais dos evangelhos canônicos, pois as partes que se referem à paternidade divina e concepção imaculada são antinomínias em relação ao todo. Quando Jesus vai pregar em sua cidade natal as pessoas desdenharam dele: – Não é este Jesus, filho de José, o carpinteiro, de quem conhecemos os irmãos e as irmãs? – o que o levou a proferir: “Em verdade vos digo que o profeta é grande, senão em sua terra” – ou algo bem parecido. Ah, sim, talvez por um erro de tradução, alguns estudiosos reputam que a profissão de José e, por consequência, de Jesus, teria sido pedreiro, e não carpinteiro.
Há uma teoria da conspiração, e vou aqui mencioná-la como simples fofoca, segunda a qual, Maria teria sido estuprada por um soldado romano, daí a questão da gravidez antes do casamento, e os possíveis traços europeus de Jesus. Isso é coisa que eu nem deveria estar aqui comentando, pois não tenho nenhum aprofundamento nisso. Mas o que tem a ver com a mensagem que ele deixou? Eu sou filho bastardo. E isto invalida o que escrevo? Invalida o meu trabalho, a minha obra literária? Se as pessoas seguissem mais a mensagem de Jesus, independente d’Ele ser o Cristo ou não, a humanidade seria muito melhor! A mensagem é revolucionária, até aos dias atuais! Estou infinitamente longe de ser um modelo, e reconheço estar muito distante da Boa Nova, mas o modelo de comportamento de Jesus deveria ser seguido por todos, não por questão meramente religiosa, mas filosófica, comportamental.
Mas, enfim, a religião não se limita ao cristianismo. Só centrei neste aspecto por questões históricas e culturais afins. Sou um espírito ocidental. Aliás, antes que o leitor me coloque a tarja de materialista, reitero que estou longe disso. Se assumir como materialista, hoje em dia, é assinar atestado de burrice, com firma reconhecida em cartório. Não posso dizer que não tenho influência da Doutrina Espírita. Passei muitos anos integrando o movimento espírita e recomendo a todos. Aliás, dentro do movimento espírita – não se confunda o movimento espírita com a Doutrina Espírita – há a doutrina do roustenguismo, de Jean-Baptist Roustaing, segundo a qual, em linhas gerais, Jesus teria sido um agênere: um espírito não encarnado. Se projetava e se materializava. Não sentiu as dores físicas dos açoites e nem da crucificação. Rejeito essa ideia e só a coloquei aqui por ter mencionado o conspiratório estupro de Maria.
Voltando então: não sou materialista. Estou, neste momento, conectado ao mundo através da WWW, uma rede que não vejo, não toco, mas sei que existe porque usufruo dos seus resultados. Acredito na transcendência da inteligência – alguém pode chamar de espírito. Acredito por questão lógica, mas com uma margem de erro. Enquanto ser biológico, eu e todos vocês, vamos morrer. Mas penso que a inteligência não. Que este corpo é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento da inteligência. Como sempre digo, este tema é amplo e não se pode esgotar o assunto em tão poucas linhas. Já estou cansado. Até a próxima! Feliz Páscoa a todos.