O repórter sentou-se à mesa. Apoiou a cabeça com a mão direita, expressando perfil de lamento. Olhou para a olivetti à sua frente. A velha companheira de trabalho nunca lhe parecera tão distante, tão ensimesmada. Tantas vezes suas teclas ditaram-lhe a pauta do dia, boa parte merecendo chamada de primeira página. Mas hoje…
Olhou para o maço de papel jornal ao lado da máquina. As folhas estavam em branco. Acabaram-se as laudas pautadas. Contraditoriamente, foi um alívio, pois agora tinha alguma coisa para teclar. Colocou a folha no rolo da máquina, ajustou o papel e bateu nove pontos, teclando 1 no décimo toque, e assim sucessivamente: 2 no vigésimo, e 3 no trigésimo. Ali estavam definidos os trinta toques da linha, e observou que o espaçamento entre as linhas já estava no número 2. Isto era importante, depois que se tornou free lancer: um dólar por lauda de 30 linhas, pagos tão logo o editor-chefe aprovasse o texto.
Mas o quê escrever hoje? Perdera o melhor amigo, há uma semana. E hoje, justamente hoje, a mulher daquele melhor amigo também morrera. Ela, a quem admirava em secreto, com aquele corpão de dar água na boca. Enquanto rezava para que se recuperasse, às vezes aquele diabinho lhe soprava no ouvido: “Agora é a tua vez! Quem sabe…?” – mas logo espantava o tal diabinho com o anjinho que dizia: “Não deveis cobiçar a mulher do próximo!” E então resolvia o conflito não dando ouvidos ao demônio, nem ao anjo. Só à sua consciência: “Eu vou dar tempo ao tempo. O futuro dirá!”
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