PARADOXO

Havia um barco
chamado saudade,
no qual eu detestava navegar

E um patamar,
plácido recanto de almas
sob as luzes da ribalta
que eu tanto amava

Havia também
uma criatura
do outro lado do céu,
que falava italiano,
tinha olhos azuis
e cabelos cacheados,
da cor do trigo maduro

Eu muito a observava
entre a multidão dos perdidos

E assim foi
por algum tempo,
até que numa noite
nossos olhos se encontraram

E nos maravilhamos muito,
amando-nos profundamente
Todos os dias
sonhávamos juntos,
no vale encantado dos ébrios errantes,
sobre a relva fresca regada
pelo orvalho da manhã,
onde cavalgavam
unicórnios azuis alados

Mas um dia,
numa das manhãs de outuono,
ela não veio comigo
ver o sol nascer,
pois partiu pra guerra
como concubina do general de Mussoline

E eu fiquei
no mundo dos homens,
vagando entre os desfiladeiros,
vivendo das miragens
que se formam no deserto
em que nosso vale se transformou,
naufragando a cada olhar de Carlitos

(Manaus, 18/12/1987)

Sala de Visita – Sérgio Murilo

O nosso amigo poeta Sérgio Murilo nos  faz uma visita inesperada para lembrar que hoje, 21 de março, comemora-se o Dia Mundial da Poesia, nos trazendo um presente de sua autoria:

CORAÇÃO DE POETA

Por Sérgio Murilo

Ah! Esse coração pulsante,
repleto de versos e prosas.
Que por um instante
exala o perfume das rosas.

Coração que baila, que canta,
que brinda as odes da vida.
Que nos põe no colo, acalanta.
Que nos é regaço, guarida.

Ah! Esse coração que é alegria
mas, também, é pranto!
Apinhado de rimas e encanto,
adornado de pura poesia.

E o autor do blog, aproveitando o ensejo, apresenta um poema seu, feito na adolescência, que reflete os conflitos internos da época. Em homenagem a este dia:

O POETA

O que é o poeta
Se não sofrer?
É como o rio sem correr!
A dor,
O sofrimento,
A vida o amargor.
Tudo isso nos vem ser
Da existência o fervor,
Do todo o momento,
Da beleza o teor.

O que é o poeta
Se não amar?
É como uma estrela
Sem brilhar!
O sabiá
Sem cantar.

Um poeta sem amor
É um espinho
Sem rosa,
Um jardim sem flor,
Uma fera mimosa.

Um poeta sem amor
É um arco-íris
Sem cor.

Um poeta sem amar,
É um vento
Sem soprar,
É a lua
Sem luar.

O que é o poeta
Se não sentir?
É como uma criança
Sem sorrir!
É como a esperança
Sem persistir.

O que seria do poeta
Se fosse feliz?
Seria como o desejo
que não quis!
Seria como o beijo
Que ao puro sentimento
Contradiz.

De que me valeria a vida
Se fosse um mar de rosas,
Se não me fosse tão sofrida,
Para poder descrevê-la
Em versos e prosas?

(Manaus)