Breves considerações sobre a prisão em segunda instância

Hoje, dia 04 de abril de 2017 o plenário do Supremo Tribunal Federal julga o pedido de habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Começo a escrever este artigo junto com a leitura do voto do ministro relator, Edson Fachin, mergulhado em dúvida quanto ao resultado do certame, dado o nível de politização – e “outras entrelinhas” – a que chegou a nossa Corte Suprema. Sim, pois não acredito que juristas experimentados e com titulação acadêmica, em sua grande maioria, cheguem a decisões tão estapafúrdias como algumas a que chegam. Quanto ao cumprimento da pena após a condenação, tenho um entendimento pessoal e outro técnico. Pessoalmente entendo que o réu deve cumprir sua pena logo desde a decisão de primeira instância, não perdendo o direito de recorrer a instâncias superiores. Mas, tecnicamente, tem relevância capital o inciso LVII, art. 5o da CF/88: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, consagrando o princípio da presunção de inocência, que, em face do texto constitucional, deve ser cumprido. Deste julgamento pode resultar qualquer coisa – inclusive nada, pois há uma tendência de se rediscutir a tese da prisão em segunda instância, ao invés do mérito do remédio jurídico interposto.

Ocorre que o Direito contemporâneo exige a interpretação da norma jurídica, longe do cumprimento literal da letra, conforme impunha a Escola da exegese. Neste sentido recorro ao hoje ministro Alexandre de Moraes em sua Constituição Federal interpretada, que ensina:  “A presunção de inocência é uma presunção juris tantum, que exige para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com garantia de ampla defesa”.

Juris tantum é presunção relativa ou condicionada, que se admite até prova em contrário. Moraes apresenta quatro funções básicas da presunção de inocência:

  1. Limitação à atividade legislativa;
  2. Critério condicionador das interpretações das normas vigentes;
  3. Critério de tratamento processual em todos os seus aspectos (inocente);
  4. Obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre do acusador.

E apresenta três exigências decorrentes da previsão constitucional da presunção de inocência:

  1. O ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (provas diabólicas);
  2. Necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa;
  3. Absoluta independência funcional do magistrado na valoração livre de provas.

Repito a conclusão do hoje ministro:

“A existência de interligação entre os princípios da presunção de inocência, juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório é, portanto, ínsita ao Estado democrático de Direito, uma vez que somente por meio de uma sequência de atos processuais, realizados perante a autoridade judicial competente, poder-se-ão obter provas lícitas produzidas com a integral participação e controle da defesa pessoal e técnica do acusado, a fim de obter-se uma decisão condenatória, afastando-se, portanto, a presunção constitucional de inocência.”

Ressalta ainda Moraes, após fazer uso da jurisprudência do STJ e STF:

“A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.”

Nesta esteira, é preciso esclarecer ao leitor que quando um recurso em matéria penal chega a um tribunal superior, já não mais há de se discutir questão de mérito, ou seja, não há mais dúvidas quanto à materialidade do delito e sua autoria. Desta forma, reiterando o que diz Alexandre de Moraes, afasta-se a presunção de inocência, não havendo, portanto, qualquer óbice ao imediato cumprimento da pena sentenciada pelo juízo singular, e ratificada pelo juízo colegiado. De fato, não há mais discussão de culpa! O que não exclui do réu o direito de recurso até a última das muitas instâncias – preso.

Enfim, não são nestas simplórias linhas que esgotaremos a discussão de mérito da matéria aqui exposta. Queríamos tão somente declarar nossa posição e justificá-la, com justificativa mínima que seja, sendo este apenas um dos argumentos que adoto para formar a posição aqui revelada, considerando que neste momento não caberiam maiores delongas.

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