Jair Bolsonaro já entrou para a História. Mas com que perfil?

O Brasil está em guerra. O mundo está em guerra. Diariamente centenas de brasileiros morrem em combate. Milhares de seres humanos se quedam ao inimigo comum. No momento em que escrevo, segundo dados do Google, morreram 8.022 brasileiros, para 121.600 casos confirmados – taxa de letalidade 6,60% -, e 48.221 recuperados – taxa de 39,66%. Claro que os números são mais de uma dezena de vezes maiores, penso eu, em virtude da subnotificação dos casos e das mortes, o que pode reduzir a taxa de letalidade. Mas esse vírus existe de verdade, ou é só uma invenção midiática conspiratória?

Se existe ou não existe, a questão se torna secundária quando vemos dezenas, centenas de pessoas morrendo diariamente. E não são somente mortes virtuais, como nos vídeo games ou programas sensacionalistas. São mortes de pessoas próximas, com nome, sobrenome e endereço; entes queridos, parentes de amigos, jovens e velhos, desconhecidos e famosos. Numa guerra dessas, com um inimigo letal e desconhecido, o que mais precisamos é de liderança, alguém que una a Nação e determine as diretrizes a ser seguidas, sob pena da imposição da força do Estado. É assim que funciona no modelo de Estado contemporâneo. Aliás, é assim que funciona entre todos animais gregários, mesmo entre os irracionais, em caso de iminente perigo.

Aqui em Roraima, dados de hoje apresentam 932 pessoas infectadas, com 13 mortes – letalidade de 1,39%. No mundo já são 3.682.968 casos confirmados, recuperação de 1.297.548 contaminados – 32,79% – e 257.906 mortes – letalidade de 7%. Certamente, e desafortunadamente, quando você estiver lendo este artigo, estes números terão sido alterados para maior. E então, leitor, os números são altos ou baixos? Vivemos uma histeria coletiva global, ou uma pandemia real? As funerárias e fábricas de caixões não estão faturando quanto se estimava? O novo Corona Vírus é uma mentira globalizante? A quarentena é válida ou inútil? É apenas parte da conspiração para destruir a economia mundial e impor um governo único liderado pela China comunista?

Outro dia assisti a um vídeo do Olavo de Carvalho onde ele diz que o novo Corona Vírus não existe, pois pra se provar que alguém morreu da COVID-19, seria necessário constatar a existência do vírus em todos os órgão do de cujus, o que ninguém fez ainda. O leitor pensante, como eu, replica: – Mas são mais de um milhão de mortes no mundo todo, a maioria em países desenvolvidos! – E então lembramos da resposta: – E daí?

A possível redução da taxa de letalidade, devido à sub notificação dos casos de contaminação, não representa uma boa nova, pois o que tenho observado é que a taxa de transmissibilidade – ou R0 (érre zero) -, que é a proporção de uma pessoa contaminada transmitir o vírus para outras, é muito alta. Ou seja, o vírus se propaga de forma muito rápida. Não é preciso um sofisticado modelo matemático para se chegar a esta conclusão. Basta lembrar que começamos a pensar no tal Novo Corona Vírus em fins de dezembro do ano passado – coisa da China! E agora ele está aqui, entre nós. No meu caso, literalmente aqui em casa.

Mas enfim, estamos em guerra! Milhares de mortes, milhares de caixões. Brasileiros que se vão, dor e sofrimento dos que ficam, cotidianamente, e em curva ascendente! A prática da quarentena não significa a destruição do Sars-Cov-2, mas apenas a diminuição da sua taxa de transmissibilidade, de modo que o sistema de saúde possa atender aos pacientes em estado grave. E quanto à economia, que está sendo destruída? Como será o after day? Os 600 reais por três meses vão resolver?

O fato é que, quanto ao aspecto econômico, o brasileiro está tão perdido quanto o mundo em relação à COVID-19. As medidas são pontuais. Claro que 600 reais por mês não vão resolver o problema, como o bolsa família não resolveu o problema da fome e da pobreza. O programa de apoio à micro e pequena empresa é pífio mesmo a curto prazo. Os micro e pequenos estão quebrando, demitindo por necessidade, fechando as portas, e os “empresários” estão engrossando o índice de desemprego, consequentemente, o índice de pobreza das famílias. A maldita herança clientelista de quase um século de populismo, desde o varguismo ao petismo, nos fez cronicamente miseráveis, ver tudo sob o ângulo da carência, esquecendo que é a riqueza que faz uma grande nação: um povo rico é um povo educado, culto, alimentado e nutrido, com moradia e saneamento básico. Às favas o discurso clientelista da distribuição da riqueza pelo Estado. O Estado não produz riqueza, mas um parasita da riqueza gerada pelos esforços dos seus cidadãos.

A economia mundial já está afetada. Mas quais países se recuperarão mais rapidamente? De pronto acredito que aqueles com economia mais intensiva de capital. Em outras palavras, os países industrializados, como Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido. Isto é fácil concluir. O Brasil fica na dependência das demandas dessas nações, já que o seu ponto forte nas transações internacionais são as commodities. Assim, como diz o texto atribuído ao padre Fábio de Melo, não estamos no mesmo barco; estamos na mesma tempestade. A China, nosso principal parceiro comercial, me parece uma incógnita, quanto à velocidade de recuperação. Mesmo detendo ações de empresas estadunidenses e europeias, as maiores do mundo, estas empresas podem retirar suas fábricas do território chinês. Aí vamos ver qual o nível de benchmarking da produção industrial orgânica chinesa. Sem contar que EUA e Europa podem exercer sanções contra a China. Nesta linha de raciocínio, portanto, além de se preocupar com os próprios rumos, o Brasil tem também a China pra se preocupar, inclusive. É o que vulgarmente se chama de sinuca de bico.

Internamente, as desigualdades regionais e intra regionais também não permitem uma recuperação homogênea da economia nacional no curto prazo, que já está arruinada no curto e médio prazos. Algumas regiões tenderão a se recuperar mais demorada e dolorosamente do que outras. E o presidente da República tem razão quando, nesta epidemia, chama a atenção para a questão econômica. E só! No restante tem sido omisso. Nem quando se pronuncia contra o isolamento social horizontal, contrariando os protocolos do Ministério da Saúde, órgão do seu próprio governo, sob o seu comando supremo, o mandatário apresenta solução alternativa. É contra o isolamento horizontal? Tudo bem. Qual o plano B? Não sabemos. Provavelmente não existe. Ou então é ultra secreto.

No compasso, temos o seguinte quadro dantesco: uma pandemia que ceifa a vida de milhares de brasileiros em questão de dias, ao mesmo tempo em que destrói a economia interna de um país pobre: industrial, educacional e socialmente. Com efeito, o nosso parque industrial é insipiente, periférico, dependente externamente da tecnologia de ponta, isto porque não investimos em pesquisa, em ciência e tecnologia. Os nosso jovens extremamente mal preparados para as exigências do mercado de trabalho, com alto índice de analfabetismo funcional, conjunto que define o amálgama socioeconômico deplorável que conhecemos, responsabilidade que em muito recai sobre os governos das últimas duas décadas, cujas políticas sócioeducacionais construíram gerações imbecilizadas e dependentes das migalhas governamentais de subsistência, com eufemismo de “programas sociais”.

Mesmo no período pré-epidemia, a missão de erguer este país do caos em que se encontra era hercúlea. Mas se as coisas eram ruins e exigiam dotes excepcionais para a consecução da tarefa, agora, com o advento do Sars-Cov-2, passou a exigir poderes sobrenaturais, o que, infelizmente, talvez esteja aquém da capacidade do nosso presidente da Republica, que cria factoides diariamente, muita das vezes em oposição ao seu próprio governo, contra a sua própria equipe de ministros e escalões inferiores, desviando o foco do que realmente interessa no plano imediato: a vida dos seus concidadãos; e no plano mediato: a economia e o caminho a ser tomado pela Nação no pós-pandemia. A grande virtude de Itamar Franco, que o tornou um dos melhores presidentes que esta República já teve, foi reconhecer as suas limitações, escolher uma boa equipe, sobretudo a econômica, e deixar o povo trabalhar – se não podia ajudar, não atrapalhava. Bolsonaro, ao contrário, quer estar onipresente e onisciente em todos os níveis, desmerecendo a si próprio, na medida em que desmerece a equipe que escolheu, e aos quase 60 milhões de votos que recebeu, inclusive o meu.

Qual a alternativa ao criticado isolamento social horizontal, apresentada pelo presidente? O isolamento vertical qualitativo? Em que moldes? Temos que defender a atividade econômica, pois as empresas estão fechando e as pessoas perdendo os empregos? Sim, temos! Como faremos? Quais os mecanismos? Como equacionar as medidas sanitárias necessárias, com a manutenção da atividade econômica? Qual o plano de gerenciamento da pandemia e alternativas para a economia? São questões que o presidente da República nunca suscitou, quanto mais procurou responder.

Estamos numa guerra. E o que os líderes estadistas fazem? Concentram o esforço de guerra. Eu sei que falar é mais fácil do que fazer. Mas, vamos lá! Pra ilustrar, pois o presidente tem o poder e os meios para tal: desde o primeiro momento, que corresponde a um tempo anterior ao primeiro caso oficialmente registrado da doença no Brasil, pois até eu sabia que chegaria por aqui – e também sabemos que o vírus já estava em terras de Vera Cruz antes da primeira notificação -, o mandatário deveria ter constituído um Gabinete de Crise, uma Central de Comando, ou qualquer coisa que o valha, para estabelecer o plano de ação governamental, de caráter multidisciplinar e interministerial, envolvendo variáveis exógenas e endógenas, visando equacionar as necessidades e as possibilidades, com toda a logística necessária para desenvolver a ação da União, e a partir daí a integração de estados, Distrito Federal e municípios, em cadeias de comando. E o que o presidente fez? Flagelou o seu ministro da Saúde!

Antes da COVID-19, a única reforma do Estado concretizada foi a da Previdência, cuja economia prevista, ante as medidas pontuais em face da pandemia se limitando a desembolso do Tesouro… foi pras cucuias. Neste ponto, reiteramos: só se fala em desembolso do Tesouro. Mas esse poço tem fundo. E bem raso!

Milhares de brasileiros morrendo diariamente em decorrência da COVID, e diariamente o presidente viola os protocolos de prevenção, lamentavelmente aprovando e incentivando aglomerações, passeatas, movimentos, de fato, antidemocráticos. E digo isto sem qualquer constrangimento de possivelmente estar tendendo à esquerda. Ao contrário! Quero que o país convirja, em definitivo, para a direita. Mas pra direita democrática, pra direita republicana, podendo ser presidencialista ou parlamentarista – particularmente prefiro o parlamentarismo. Mas pensem bem: uma faixa pedindo intervenção militar com Bolsonaro no poder: o que significa? Que a ditadura do proletariado é ruim e a ditadura bolsonarista é boa? Ora bolas! Ditadura sempre é ruim, seja qual for!! Não se iludam com isso! Estudem História. A história deste país, sem o viés esquerdizante.

Oh…!! Há uma conspiração para inviabilizar o governo Bolsonaro e tirá-lo do poder! Sim, há! Sabemos que há, e que muitos líderes políticos mal intencionados estão rezando e torcendo que ele continue fazendo, ou não fazendo, o que faz – ou não faz. Aqui em Roraima tem um dito popular: “Quem não pode com o pote, não segura na rodilha”. A política é isso, é como o organismo biológico em relação aos agressores que causam doenças: só os fortes sobrevivem. É preciso assumir o comando, honrar o cargo que ocupa e deixar de se vitimar, alegando “forças ocultas” que o impedem de governar, e por isso precisa que tais forças sejam eliminadas para que possa governar com plenos poderes. Essa estratégia já foi tentada antes e não deu certo.

Vejam bem: não tenho dúvida de que, desde a eleição de Jair Bolsonaro, o momento nunca foi tão favorável à oposição quanto agora, o que lamento muito, pois seria a oportunidade do presidente sepultar de vez qualquer esperança de revival político dessa corja! Às vezes me parece que Bolsonaro combinou com os russos, sim, principalmente nos últimos dias, quando entregou cargos ao Centrão de Valdemar da Costa Neto, Kassab & Cia.

Meu Deus! Vamos pensar, caro leitor! Vamos pensar!! Não podemos nos ater a crenças, a dogmas, à cegueira da militância política. No fundo, qual a diferença entre os camisas vermelhas e os camisas amarelas, tumultuando as ruas, agredindo física e moralmente aos seus concidadãos? É preciso analisar os fatos sem paixão. Nós estamos vivendo a História. Muitos personagens e fatos cotidianos da minha infância, da minha juventude, hoje são documentados como personagens e fatos históricos: o General Newton Cruz a cavalo metendo o bastão de comando em carros na Esplanada dos Ministérios. A bomba do Riocentro, o Plano Cruzado, com os fiscais do Sarney; o Plano Collor, no meu primeiro ano de Economia; o impeachment do presidente; o Plano Real, eu já formado. A queda do Muro de Berlim – eu repórter da Folha de Boa Vista, escrevi meia página sobre o assunto. Mais recentemente o impeachment da Dilma, a prisão do Lula… História pura! E, sem dúvida, estes dias: o ontem, o hoje, o amanhã, já estão escritos nas linhas da história mundial.

A História é implacável com os seus personagens. Jair Bolsonaro é uma dessas pessoas excepcionais que já entraram para a história do Brasil e garantiu, ao menos, algumas referências na história mundial. Mas com que perfil será descrito nos livros?

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