Na hora de pagar, a conta sempre vai pra quem trabalha

Apesar de ser usada pela esquerda como marco de libertação do povo do julgo da realeza, a Revolução Francesa (1794) foi um movimento burguês, basicamente surgido pela insatisfação da burguesia e do campesinato em sustentar a nobreza e o clero, com altos impostos e nenhum retorno.

Dito isto, ontem o Presidente Jair Bolsonaro vetou o art. 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, cujo teor era a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho, pelo prazo de até seis meses, “para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual”.

O detalhe é que a suspensão não dependeria de acordo ou convenção coletiva. Quanto à remuneração, conf. o § 2º do art. 18, o empregador poderia conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual, “com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”.

Nesta mesma esteira, o Congresso está discutindo proposta de redução dos salários dos servidores públicos, em até 20%, durante a crise.

Deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da Câmara: “Todo poder público vai ter que contribuir. Transferir isso para o parlamentar é fazer apenas um gesto importante, mas não tem nenhum impacto fiscal. Acho que os três poderes vão ter que contribuir: Legislativo, Executivo, Judiciário. Os salários no nível federal são o dobro do seu equivalente no setor privado”.

A proposta também incluiria cortes nos vencimentos e vantagens dos deputados e senadores. Tal corte seria em faixas: para quem ganha até R$ 10 mil, teria redução de 10%, e 20% para quem ganha acima desse valor. Seriam mantidas vantagens como o vale-alimentação, e ficariam de fora os servidores diretamente ligados ao combate à pandemia, como o pessoal da Saúde. A articulação está a cargo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

A estratégia é a seguinte: o presidente Jair Bolsonaro envia para o Congresso uma MP prevendo a redução nos salários do Executivo. A Câmara e o Senado incluem os servidores do Legislativo, e sugerem que a presidência do Supremo faça o mesmo com os servidores do Judiciário. A princípio, a medida não atingiria os servidores públicos estaduais, distritais e municipais. Mas seria questão de tempo para que os chefes de Executivo encaminhassem para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores projetos análogos.

Algumas das alegações são a autorização dada pelo governo federal para que as empresas privadas possam reduzir em até 50% a jornada de trabalho, com a correspondente redução dos salários, e o fato de que muitos servidores serão dispensados parcial, ou totalmente, das suas funções, em virtude das restrições de circulação, e ainda a orientação para trabalho remoto (home office).

Conforme Rodrigo Maia em entrevista à CNN Brasil, o presidente Jair Bolsonaro pode realocar verbas do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral. Ao admitir a possibilidade de redução dos salários dos parlamentares, em outras palavras, Maia diz que, no contexto, esta redução não terá significativo impacto positivo nas finanças federais.

Diante desse quadro, voltamos ao paralelo da Revolução Francesa, cuja causa principal foi a crise fiscal que a nação enfrentava, com uma corte real perdulária, aliada ao alto clero, que não pagavam impostos e recebiam todas as benesses, enquanto o povo – burguesia e campesinato -, que pagava as contas com pesada carga tributária, morria de fome. No Brasil, o golpe da proclamação da República, embora tenha ensejado uma nova constituição, manteve o status de corte do poder central: Executivo, Legislativo e Judiciário como um fim em si, e não um meio para atender às demandas do povo brasileiro. E tanto quanto na França pré-revolucionária, a progressiva carga tributária não implicou em retorno na forma de serviços públicos de excelência.

É verdade que há super salários no setor público, a grande maioria destes casos concentrada em torno do centro do poder, como os dos parlamentares e membros do Judiciário, que além dos salários, fazem jus a uma rede de penduricalhos: verba de gabinete, auxílio paletó, toga, moradia, alimentação, remuneração extra pelo exercício de cargos de direção e assessoramento, auxílio cueca, calcinha, e por aí a fora, conforme a criatividade dos feudos burocráticos.

Além dos três poderes, a Constituição de 88 permitiu a hipertrofia de órgãos como Ministério Público, Procuradoria da República, defensorias, tribunais de Conta da União, estados e municípios, que passam a ser, de fato, poderes autônomos, proporcionalmente, com as mesmas ou maiores despesas dos clássicos Executivo, Legislativo e Judiciário.

No fim, descontos sobre salários de servidores públicos para ajudar o país a pagar as contas do COVID-19 acabarão recaindo sobre a grande massa de trabalhadores dessa categoria, os com menores remunerações. Já as castas superiores, certamente, darão um jeito de compensar isso. Tenho um exemplo muito claro, que foi o fim do auxílio-moradia dos magistrados. Antes tivesse ficado como estava, pois as despesas com esta categoria de servidores no orçamento do estado de Roraima acabaram por crescer exponencialmente. Mas isto é matéria para um novo artigo.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.